JESUS solidário com os pecadores

Jesus solidário com os pecadores por ARMANDO SOARES
No gesto de descer ao Rio Jordão, Jesus antecipa a cruz, dá início à sua actividade tomando o lugar dos pecadores, assumindo sobre si o peso da culpa de toda a humanidade, cumprindo a vontade do Pai. Recolhendo-se em oração, Jesus mostra o íntimo vínculo com o Pai que está nos Céus, experimenta a sua paternidade, colhe a beleza exigente do seu amor, e no colóquio com Ele recebe a confirmação da sua missão. Nas palavras que ressoam do Céu (cf. Lc 3, 22) há uma antecipação do mistério pascal, da cruz e da ressurreição. A voz divina define-o "O Filho bem-amado", recordando a Isaac, o amadíssimo filho a que o Pai Abraão esteve disposto a sacrificar, segundo o mandamento de Deus (cf. Gen 22, 1-14). Jesus não é somente o Filho de David, descendente messiânico real, o Servo do qual Deus se compraz, mas é também o Filho unigénito, o amado, similar a Isaac, que Deus Pai dá para a salvação do mundo. No momento em que, através da oração, Jesus vive em profundidade a própria filiação e a experiência da paternidade de Deus (cf. Lc 3, 22b), desce o Espírito Santo (cf. Lc 3, 22a), que o guia na sua missão e que Ele infundirá após ser levantado na cruz (cf. Jo 1, 32-34; 7, 37-39), para que ilumine a obra da Igreja. Na oração, Jesus vive um ininterrupto contacto com o Pai para realizar até o fim o projecto de amor para os homens.
No plano de fundo dessa extraordinária oração está a existência inteira de Jesus vivida numa família profundamente ligada à tradição religiosa do povo de Israel. Mostram isso as referências que encontramos nos Evangelhos: a sua circuncisão (cf. Lc 2, 21) e a apresentação no templo (cf. Lc 2, 22-24), bem como a educação e a formação na santa casa (cf. Lc 2, 39-40 e 2, 51-52). Trata-se de cerca de "trinta anos" (Lc 3, 23), um tempo longo de vida escondida e ferial, ainda que com experiências de participação em momentos de expressão religiosa comunitária, como as peregrinações a Jerusalém (cf. Lc 2, 41). Narrando-nos o episódio de Jesus aos doze anos no templo, sentado no meio dos mestres (cf. Lc 2, 42-52), o Evangelista Lucas deixa entrever como Jesus, que reza após o Baptismo ao Jordão, tem um longo costume de oração íntima com Deus Pai, enraizada nas tradições, no estilo da sua família, nas experiências decisivas nela vividas. A resposta dos doze anos a Maria e José já indica aquela filiação divina, que a voz celeste manifesta após o Baptismo: "Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?" (Lc 2, 49). Saído das águas do Jordão, Jesus não inaugura a sua oração, mas continua a sua relação constante, habitual com o Pai; e é nessa união íntima com Ele que realiza a passagem da vida escondida em Nazaré ao seu ministério público.
O ensinamento de Jesus sobre a oração surge certamente do seu modo de rezar adquirido em família, mas tem a sua origem profunda e essencial no seu ser Filho de Deus, na sua relação única com Deus Pai. O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica – respondendo à pergunta "Com quem Jesus aprendeu a rezar?" – diz: "Jesus, segundo o seu coração de homem, foi ensinado a rezar por sua Mãe e pela tradição judaica. Mas a sua oração brota duma fonte secreta, porque Ele é o Filho eterno de Deus, que, na sua santa humanidade, dirige a seu Pai a oração filial perfeita" (541).
Na narração evangélica, as ambientações da oração de Jesus colocam-se sempre no cruzamento entre a inserção na tradição do seu povo e a novidade de uma relação pessoal única com Deus. "O lugar deserto" (cf. Mc 1, 35; Lc 5, 16) a que frequentemente se retira, "o monte" para onde sai a rezar (cf. Lc 6, 12; 9, 28), "a noite" que lhe permite a solidão (cf. Mc 1, 35; 6, 46-47; Lc 6, 12) recordam momentos do caminho da revelação de Deus no Antigo Testamento, indicando a continuidade do seu projecto salvífico. Ao mesmo tempo, assinalam momentos de particular importância para Jesus, que conscientemente se insere nesse plano, fiel plenamente à vontade do Pai.

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