A morte da jornalista Margarida Marante e a hipocrisia desta vida*


A morte hoje ocorrida da jornalista Margarida Marante, vitima de um ataque
cardíaco fulminante, não deixa de suscitar interrogações sobre a hipocrisia
desta vida. Traçam-se agora os maiores encómios à actividade passada de
Marante, como entrevistadora corajosa desde que começou a carreira aos 20
anos no semanário o ‘Tempo’, e, mais tarde, na RTP, onde se distinguiu nos
programas de grande entrevista política, tendo integrado a equipa fundadora
da SIC, onde apresentou programas como ‘Sete à Sexta’, ‘Contra Corrente’,
‘Cross Fire’ e ‘Esta Semana’. Mas esquece-se o maior drama da sua vida,
que, provavelmente, levou à sua morte precoce!

Fala-se dessa carreira emérita mas esquece-se que o esquecimento a que foi
votada por muitos amigos e familiares (houve excepções!) a levou a rumar
para os caminhos perigosos do consumo de drogas que arruinaram a sua vida
profissional e pessoal. Nem a desintoxicação numa clínica em Navarra, paga
pelo seu amigo do Opus Dei, Jardim Gonçalves, a levou a deixar esses
caminhos tortuosos, ela que tinha tudo para ser feliz: apresentadora temida
em programas de TV, presença habitual nas revistas «cor de rosa» onde
surgia ao lado do marido, Emídio Rangel, com amigos influentes – entre os
quais, o ex-marido, Henrique Granadeiro, pai dos seus três filhos, homem
forte da PT que sempre a acarinhou, mesmo nas horas infelizes - passando
por José Sócrates e a ex- namorada deste, Fernanda Câncio, habituais
frequentadores de sua casa tendo Fernanda Câncio se tornado testemunha
presencial de cenas dramáticas a que foi sujeita.

Inexplicavelmente, ligou-se a Fernando Farinha Simões, um cadastrado com
ligações ao Caso Camarate ( que denunciou agora através de uma carta as
várias implicações deste crime que continua impune) que dizia ter em seu
poder vídeos comprometedores para personalidades influentes do meio social
e político, a quem fornecia droga e apanhara em grandes orgias. Os alvos
principais foram Margarida Marante e o marido, Emídio Rangel, o jornalista
que conhecera quando ainda estava na prisão onde cumpria pena por tráfico
agravado de droga e que o convidara a participar, como informador, num
programa na forja da SIC sobre o Caso Camarate. Repudiado na sua relação
amorosa com a jornalista, depois de se ter envolvido nove meses com ela,
resolveu contactar o jornal «O Crime» para se vingar. O «tiro» havia de lhe
sair pela «culatra»: antigo colega nos anos oitenta de Marante no semanário
«Tempo», o jornalista que Simões contactara reatou o contacto com a antiga
apresentadora. E foi ela quem acabou por lhe revelar todo o seu drama,
recebendo-o em sua casa com lágrimas nos olhos, aliviada por saber que «o
monstro que lhe atormentara a vida estava de novo preso».

Fernando Farinha Simões, que deverá sair muito em breve da prisão, era um
cadastrado capaz de se dar bem com Deus e o Diabo. Antigo motorista de
Sousa Cintra, foi considerado um «chibo» (informador) nas prisões por onde
passou. A sua aparente simpatia e inteligência fizeram com que mantivesse
relacionamentos surpreendentes, até junto dos mais altos quadros da PJ,
onde gozava o «estatuto» de infiltrado junto do DCIT, o órgão de combate ao
narcotráfico. Nos finais dos anos noventa, a passagem pelo estabelecimento
Prisional de Pinheiro da Cruz tornar-se-ia penosa para este personagem:
«Estava sempre a levar estaladas por se chibar», confidenciou um seu antigo
companheiro de cárcere. Tony, o ex-namorado de Arlinda Mestre, a
concorrente da «1ªCompanhia», um indivíduo que esteve ligado ao grupo de
traficantes do colombiano Pablo Escobar, foi um dos que afogou as suas
mágoas na cara de Simões. Aliás, esta faceta de denunciante e de
«fura-vidas» também se revelou no decurso dos trabalhos da V Comissão de
Inquérito Parlamentar ao caso Camarate, quando Fernando Farinha Simões foi
à Assembleia da República, conduzido sob escolta, fazer revelações
surpreendentes. Sem pejo, FFS denunciou José Esteves, seu antigo
companheiro nas redes bombistas do chamado «Verão Quente de 75», como tendo
sido o homem que fabricou a bomba que fez cair o Cessna que transportava o
então primeiro-ministro. Mais tarde, numa entrevista à revista «Focus»,
Esteves confessou ter sido um dos autores do atentado, lançando as culpas
da autoria moral para as chefias militares, sobressaltadas com a iminência
da revelação de comprometedora documentação na posse Adelino Amaro da Costa
envolvendo-as nos desvios dos dinheiros do Fundo de Defesa do Ultramar –
uma espécie de «saco azul» destinado a financiar acções ilegais, entre as
quais, soubemos, a compra de armas para a guerra Irão/Iraque. Foi com o
intuito de procurar tirar dividendos desses seus conhecimentos sobre o
mistério Camarate, pensando num atenuação da pena, que Fernando Farinha
Simões testemunhou na Comissão de Inquérito na Assembleia da República. Ao
mesmo tempo, ofereceu os seus préstimos a Artur Albarran e a Barata Feyo
(então responsáveis do programa «Grande Reportagem» da SIC e que preparavam
um trabalho sobre a morte de Sá Carneiro). Foi desta forma que conheceu o
director de informação daquele canal: «O Rangel soube que o Fernando Simões
estava a par de muitas informações sobre o que aconteceu em Camarate.
Resolveu contratá-lo como informador para um documentário com 12 episódios
sobre o caso. Chegava a mandar o motorista da estação de TV buscá-lo num
Mercedes a Pinheiro da Cruz quando ele saia nas precárias. E de informador
passou a ser seu companheiro mais chegado, acompanhando-o nas noitadas»,
referiu Margarida Marante. O tal seriado sobre Camarate terá custado uma
pequena fortuna a Pinto Balsemão – Margarida fala em 50 mil contos na moeda
antiga (250 mil euros actuais) – mas a mini-série nunca foi para o ar e
apenas um episódio terá sido produzido.

O relacionamento de FFS com a jornalista iria perdurar muito para além do
seu divórcio atribulado com o ex-director da SIC. Marante explicou os
motivos pelos quais acedeu relacionar-se intimamente com um indivíduo de
passado mais que duvidoso: «Encontrava-me fragilizada depois de anos e anos
de um casamento marcado pela violência com o Rangel. Por outro lado, a
minha formação católica – sabe, sou do Opus Dei? – levava-me a acreditar na
redenção humana. Todo o homem, por mais miserável que seja, deve ter uma
segunda oportunidade. Apreciava a forma com ele amava a sua neta. E pus-me
a pensar: será que eu devo duvidar de um homem que tem este comportamento
tão humano, que me ampara a mim e aos meus filhos, que se mostra tão
dedicado para connosco?».

A alma e a carne são frágeis. E Marante, vulnerável, assumiu esse
relacionamento que acabou por se tornar demasiado íntimo. Havia também
outros interesses em jogo. Atentemos no que escreveu um dos juízes
relatores no acórdão da sentença da 2ª Vara Criminal que condenou Fernando
Farinha Simões a seis anos e meio de prisão pelos crimes cometidos contra
Marante, justificando os motivos pelos quais achava que o arguido deveria
também ser penalizado por tráfico de droga: «Foi manifesto das suas
declarações que a assistente sempre dependeu de outrem para obter cocaína
(primeiro do seu então marido, depois do arguido) não sendo em meu entender
liquido que tivesse recursos para procurar outra fonte de abastecimento,
antes de deixando entregar às mãos do seu “fornecedor”, pelo menos enquanto
o pudesse fazer, como fez, por ter recursos financeiros para tanto».

Fernando Farinha Simões acabou por ser condenado por três crimes de
sequestro, dois por coacção grave, três por violação de domicílio, os quais
praticou quando a apresentadora pretendeu acabar com a relação que se ia
tornando cada vez mais obsessiva. E aí começou o terror:

«Queria mandar em tudo, até na minha conta bancária, nos cartões de
crédito, na escolha dos meus amigos…Assumo que foi um erro ter ido para a
cama com ele…talvez o tenha feito por me sentir revoltada. Os dias passavam
e cada vez me sentia mais angustiada. Queria vê-lo fora de casa, longe dos
meus filhos (que deixaram de a frequentar) e ele não me largava. Até que o
proibi de ir a minha casa. Mas ele nem assim desarmou: introduzia-se no meu
apartamento passando pela varanda de um andar ao lado, depois de ter
subornado o porteiro do prédio. Comecei a viver dias e noites de autêntico
terror. Por várias vezes, acordava durante a noite, com ele no meu quarto,
aos pontapés à cama. Cheguei a barricar-me no meu quarto, mas ele partiu a
porta aos pontapés», contou Margarida Marante.

Das «invasões» do domicílio às agressões e ameaças foi um pequeno passo. A
antiga apresentadora chegou mesmo a ser intimidada com uma faca que FFS lhe
encostou ao rosto, e, numa outra ocasião, como nos revelou a jornalista, o
cadastrado introduziu-lhe o cano de uma arma «Glock» no sexo. Na 21ª
Esquadra da PSP de Campolide choveram várias queixas de Margarida. Mas as
suas súplicas não eram atendidas. «Provavelmente, pensavam que eu não
estava boa da cabeça», sublinhou.

O rapto e sequestro para a Figueira da Foz, onde, durante o trajecto,
Margarida, contou ela numa carta que enviou a amigos, alertando-os para o
seu drama, chegou a ser a amarrada a uma árvore enquanto FFS lhe encostava
uma arma à cabeça, poderá ter «sensibilizado», de forma definitiva, a
Polícia a agir. As brigadas Anti-Crime da PSP e a DCCB da PJ entraram em
campo e foi emitido um mandado de detenção contra o ex-presidiário. Este
acabou por ser detido em Cascais, mas, aproveitando uma ida à consulta no
Hospital de São José, acabou por se evadir.

Foi durante este interregno que Fernando Farinha Simões contactou «o Crime»
para um encontro num café nas proximidades do jornal, dizendo estar na
posse de provas comprometedoras para Margarida Marante e Emídio Rangel. Mas
o único documento que acabou por exibir foi, precisamente, o mandado de
detenção emitido por um juiz do TIC para ser conduzido sob custódia no
âmbito de uma queixa apresentada pela jornalista.

Nos dias seguintes, FFS deixou de dar notícias. Havia uma explicação para o
facto: é que fora detido na noite de 28 de Janeiro de 2006, à porta do
prédio onde reside Margarida Marante, quando se aprestava, uma vez mais,
para invadir o seu domicílio.

Mais tarde, Margarida Marante haveria confessar os motivos que a levaram a
tornar públicos estes factos (que criaram muitos «estilhaços» nos meios
onde se movimentam as nossas vedetas das TV, entre as quais, o consumo de
droga era assunto sigiloso) uma atitude pouco comum nas figuras em destaque
nos vários quadrantes da sociedade. «Foi por causa das chantagens que! o
Farinha Simões me fez, ameaçando incriminar amigos próximos, alguns deles
bastante influentes na sociedade portuguesa, ameaças que iam desde o
fornecimento de droga, a suspeitas sobre a sexualidade. Por outro lado,
quis expiar os meus pecados. Quero voltar à vida». Um propósito que está a
ser difícil de concretizar: a jornalista nunca mais foi estrela nos ecrãs
da TV. Morreu agora, triste e só, esquecida pelo grande público, longe dos
holofotes da fama que ela tanto ansiava voltar a recuperar. Era de facto
uma grande jornalista mas escolheu mal as suas companhias que arruinaram a
sua vida.
Paz à sua alma!
*Retirado, com a devida vénia, do blogue* "*CRIME, digo eu*"

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