Os bens têm um destino universal por ARMANDO SOARES
«Enchei a Terra e dominai-a»
(Gn 1, 28): logo desde a primeira página, a Bíblia nos ensina que toda a
criação é para o homem, com a condição de ele aplicar o seu esforço inteligente
em valorizá-la e, pelo seu trabalho, por assim dizer, completá-la em seu
serviço. A Terra fornece a cada um os meios de subsistência e usando os
instrumentos do progresso; por isso, todo o homem tem direito de nela
encontrar o que lhe é necessário. O recente Concílio lembrou-o: «Deus destinou
a Terra e tudo o que nela existe ao uso de todos os homens e de todos os povos,
de modo que os bens da criação afluam com equidade às mãos de todos, segundo a
regra da justiça, inseparável da caridade» (GS, 69) Todos os outros direitos,
quaisquer que sejam, incluindo os de propriedade e de comércio livre,
estão-lhe subordinados: não devem portanto impedir, mas, pelo contrário,
facilitar a sua realização; e é um dever social grave e urgente conduzi-los à
sua finalidade primeira (PP, 24).
Se alguém, gozando dos bens
deste mundo, vir o seu irmão em necessidade e lhe fechar as entranhas, como
permanece nele a caridade de Deus? Santo Ambrósio dizia: «ao seres generoso
para com o pobre, tu dás daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te
atribuis a ti, foi dado em comum para uso de todos. A Terra foi dada a todos e
não apenas aos ricos».
E aqueles países com mais
recursos deverão acolher os cidadãos de outros países que os vêm ajudar
através da emigração na exploração e no desenvolvimento de fontes notáveis de
bens.
O bem comum exige por vezes a
expropriação, se certos domínios formam obstáculo à prosperidade colectiva,
pelo facto da sua extensão, da sua exploração fraca ou nula, da miséria que
daí resulta para as populações, do prejuízo considerável causado aos
interesses do país. Afirmando-o com clareza (GS, 71), o Concílio também lembrou,
não menos claramente, que o rendimento disponível não está entregue ao livre
capricho dos homens, e que as especulações egoístas devem ser banidas. Assim,
não é admissível que cidadãos com grandes rendimentos, provenientes da
actividade e dos recursos nacionais, transfiram uma parte considerável para o
estrangeiro, com proveito apenas pessoal, sem se importarem do mal evidente
que com isso causam à pátria (GS, 65).
Nesta obra, o trabalho é querido
e abençoado por Deus; pois o homem deve cooperar com o Criador no
aperfeiçoamento da criação e imprimir, por sua vez, na Terra, o cunho
espiritual que ele próprio recebeu. Deus, que dotou o homem de inteligência,
de imaginação e de sensibilidade, deu-lhe assim o meio para completar, de
certo modo, a sua obra: ou seja artista ou artífice, empresário, operário ou
camponês, todo o trabalhador é um criador. Debruçado sobre uma matéria que lhe
resiste, o trabalhador imprime-lhe o seu cunho, enquanto ele próprio vai
crescendo em tenacidade, engenho e espírito de invenção. Mais ainda, vivido em
comum, na esperança, no sofrimento, na aspiração e na alegria partilhada, o
trabalho une as vontades, aproxima os espíritos e solda os corações:
realizando-o os homens descobrem que são irmãos. (D. Chenu)
Se o trabalho é ambivalente e,
por um lado promete dinheiro, gozo e poder, convidando uns ao egoísmo e outros
à revolta, por outro lado, desenvolve a consciência profissional, o sentido do
dever e da caridade para com o próximo. Mais científico e melhor organizado,
corre o perigo de desumanizar o seu executor, tornando-o escravo, pois o trabalho
só é humano na medida em que permanece inteligente e livre. João XXIII lembrou
a urgência de restituir ao trabalhador a sua dignidade, fazendo-o participar
realmente na obra comum: «deve-se tender a que a empresa se transforme numa
comunidade de pessoas, nas relações, funções e situações de todos os seus
elementos» (Mater et Magistra).
O trabalho dos homens e, com
maior razão, o dos cristãos, tem ainda a missão de colaborar na criação do
mundo sobrenatural, inacabado até chegarmos todos a construir esse Homem
perfeito de que fala São Paulo, «que realiza a plenitude de Cristo» (Ef. 4,
13).
Os emigrantes que precisam de trabalho e o procuram noutros
países que carecem de técnicos sejam bem recebidos e acolhidos e sejam
respeitadores desta distribuição equitativa de bens que pertencem a todos.
Nunca é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando
a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos.
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