NAMPULA Manuel Vieira Pinto – O Visionário de Nampula por ZÉ LUZIA

NAMPULA                                                        
Manuel Vieira Pinto – O Visionário de Nampula por ZÉ LUZIA

Ao longo do ano 2015, o do Jubileu dos 75 anos das três primeiras dioceses de Moçambique (Lourenço Marques/Maputo, Beira e Nampula) “fabriquei” este livro. Sentia que, ainda vivo, o Bispo Manuel ia ficando esquecido e, sobretudo, desconhecido das novas gerações. Ele não precisa de homenagens, mas a Igreja que somos, de todas as idades, só tem a ganhar com beber o património pastoral que ele nos produziu nos 34 anos que serviu a Diocese de Nampula (1967-2001). E eu próprio fui acordado pelo pedido do Engº Roberto Carneiro quando, em 2014, me pediu para registar o meu testemunho sobre “Um Bispo de intervenção marcante”.

Padre incómodo no Portugal metropolitano cuja voz profética se fez ouvir sobretudo como Director do Movimento por um Mundo Melhor, o Deus que “escreve direito por linhas tortas” o enviou para Bispo de Nampula (1967). Aqui se revelaria a sua envergadura de profeta visionário. Como hoje o Papa Francisco, por vezes, imprevisível nas palavras, nos gestos e nas atitudes.
Ao chegar a Nampula, mal desembarcado do avião, e cumpridos os cumprimentos protocolares, logo o Padre Manuel desconcerta. Vislumbrando, lá atrás, a multidão do povo negro, para lá se dirige. Dos braços de uma mãe negra, ergue uma criança em direcção ao sol (como a que esta fotografia exprime).
Reacções, espontâneas, imediatas e contraditórias: os brancos, murmuram; os negros explodem de alegria. Nunca mais ele deixaria de contar  – e repetir - o gesto desta sua primeiríssima experiência ao pisar esta terra que seria sua, na longa missão de serviço de 34 anos (1967-2001). Estava ali a marca do seu calvário pastoral até à Independência (25.06.1975). Era gesto original e fundante irradiando força simbólica e programática. Vieira Pinto chegava para ser o Bispo dos tempos novos, conquistados com lágrimas, suor e sangue; dele, de muitos missionários, mas, sobretudo de soldados, filhos de Portugal, e de guerrilheiros da Frelimo, filhos do Povo moçambicano.
Clarividente, mete mãos à obra. Com encontros pastorais à luz do Vaticano II, lança, logo em 1968, “os primeiros fundamentos da viragem que se impunha” tanto ad intra como ad extra ecclesia.
No contexto de uma “guerra de agressão colonial”, ou, na designação da Frelimo, “guerra de libertação popular”, impunha-se, desde logo, libertar a Igreja Católica das amarras políticas do Acordo Missionário de 1940, que a tornavam ambígua porque “mais ou menos cúmplice na difusão da «portugalidade» e na prática da injustiça estru­tural do sistema”. Avançou pela lenta diluição do que chamou os binómios da ambiguidade: o do modelo pastoral “escola-capela” e “professor-catequista”; ampliados, em nível mais alto do relacionamento “Administração-Missão e “Governo-Igreja”. Assumindo a língua materna local – o macua – na liturgia, abandonando, o monopólio da língua portuguesa, assestava uma básica estocada certeira no sistema da alienação cultural portugalizadora.
Vieira Pinto, “embrulhado” no espartilho do colonialismo português, chegava para ser o bispo da “passagem duma Igreja ainda bastante constantiniana, (…) para uma Igreja mais clara e inequivocamente autónoma (…), menos instrumento político e mais instrumento universal de salvação, menos poderosa por for­ça dos poderosos e mais poderosa por força dos pobres; (…) mais próxima de todos os homens, mais acessível e mais testemunho da verdade, da justiça, do amor e da paz,”, menos ocidental e mais de rosto africano, menos clerical e mais Povo de Deus onde todos – padres e não-padres – se sentissem membros de pleno direito, tendo “voz para concordar, para discordar, para aconselhar, (…) ultrapassando, de vez, aquelas "cristandades" onde falar com­pete apenas aos padres e o ouvir aos «seus cristãos».
Toda esta postura coloca Vieira Pinto sob suspeita, porque a “sua Igreja” mais africana e voz do povo, não seria mais a muleta do regime. A velha aliança da Fé e do Império caíra, inelutavelmente, varrida pelos sinais dos tempos da libertação africana e pelo ímpeto renovador do Concílio Vaticano II terminado 2 escassos anos antes (Dezembro de 1965).
A homilia Repensar a Guerra, no Dia Mundial da Paz – 1 Jan 1974 -, juntamente com “Um imperativo de Consciência” assinado com os Missionários Combonianos, foi a gota de água que faria extravasar a fúria colonialista. Qual Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas, pagou o preço da sua postura profética e visionária; sofreu uma ignominiosa, mas profética, expulsão de Moçambique, no Domingo de Páscoa de 1974 (10 de Abril, nas vésperas da Revolução dos Cravos). Foi habilmente preparada, com a profusa distribuição da programática fotografia que os ferrenhos colonialistas, cegos diante dos sinais dos tempos e surdos à palavra lúcida do Bispo de Nampula, então distribuíram em todo o território moçambicano, acicatando, de Nampula a Lourenço Marques, a sociedade dos brancos:

BISPO DE NAMPULA
VIEIRA PINTO
  FAMIGERADO TRAIDOR À PÁTRIA 
 INDESEJÁVEL EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS 
 VIVA PORTUGAL
UNO E INDIVISÍVEL

Este foi o Bispo-Profeta, pastor consciente de uma Igreja-comunhão que me ensinou a, por amor dos homens, nunca adiar os combates pela Paz e a Justiça. Ele que um dia responderia a Samora Machel: um deus que precisasse da minha defesa não seria Deus!    in VM Set 2016
Nampula, Junho de 2016

Zé Luzia

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