MOÇAMBIQUE Coragem e força no lugar do braço mutilado

Mulheres fazem-se à vida, como os homens se fazem ao mar .O mar é uma das riquezas de Inhambane. Dá alimento com a pesca abundante e atrai o turismo, porventura uma das principais fontes de receita desta região de Moçambique
Na missão do Guiúa recorremos ao peixe para prover a alimentação necessária aos múltiplos encontros que, ao longo do ano, aqui se realizam. Por esta altura do ano é frequente prepararmos o abastecimento de peixe que há-de fornecer a missão. A compra do peixe na praia é um dos bastidores da vida do missionário e também momento de observação e aprendizagem quando menos o esperamos. Ainda não são seis da manhã e já a praia se enche de gente, à espera do peixe que há-de chegar. São principalmente mulheres, reparo. Já lá estavam quando cheguei. Sentadas na areia, de olhar preso no mar, enquanto seguram grandes alguidares vazios que se percebe hão-de carregar de peixe fresco para ganhar o sustento da família. A manhã irrompe da água. O sol ergue-se calmo e soberano e parece que vai acendendo a vida à medida que vai tingindo o céu dos mil tons violeta, rosa e impronunciáveis matizes.
Na praia reina a espera e o mar esconde como nunca mistérios sem fim. Sento-me também na areia e tento descobrir o que todos os olhos procuram. Só as ondas no seu eterno devir, só o imperturbável mar. Mas eis que, finalmente, junto à rebentação dois vultos emergem, e avançam pesadamente sobre a praia. Como setas, as silenciosas mulheres disparam areal fora e precipitam-se sobre os homens que já na areia molhada arrastam consigo enormes peixes serra. Em algazarra disputam o primeiro peixe, a primeira mercadoria. Querem ser as primeiras a comprar para serem as primeiras a vender. Admiro a determinação com que lutam pelo seu sustento e observo o ritual: a pesagem com balanças de gancho, as contas feitas ali mesmo com os dedos riscando os números sobre a areia, a negociação que há-de espremer o preço até ao último cêntimo. Ainda molhadas, as mãos dos pescadores recebem as notas e entregam o peixe. As mulheres, algumas com as crianças às costas, carregam à cabeça os pesadíssimos alguidares. Regressam às suas casas, bancas ou mercados.
Passam mais alguns minutos e mais outros mergulhadores chegam à praia. Aproximo-me então para comprar o peixe e o meu olhar fixa-se no jovem pescador que acabara de sair da água. Tem apenas um braço, mas mergulha e pesca como os demais. Pesamos o peixe, negociamos e faço o pagamento. Conversamos e ele conta-me: “Uma mina roubou-me este braço. Mas chego a mergulhar 17 e 20 metros!” Olho-o com assombro e admiração. No lugar do seu braço mutilado vejo a coragem e a força, o testemunho de quem sabe agarrar a vida mesmo quando falta a mão.
Inhambane é uma terra de contradições, terra de mar e de peixe, de interior, de seca e de fome. Terra de boa gente, a quem a força da guerra não roubou a vontade de se fazer ao mar e enfrentar a vida Diamantino Antunes | FÁTIMA MISSIONÁRIA | 22/11/2011 | 08:30



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