2. O frade e as suas beatas

02.
“O
Frei Afúrdio tinha a fama de ser muito exigente para com os outros e lasso para consigo. Se se levantava cedo, era para afastar as tentações da cama e para celebrar o santo sacrifício para umas queridas velhinhas – que até o prefeririam celebrado em latim – porque poderiam rezar o terço com muita mais atenção do que ouvindo constantemente aquela algaraviada do português vernáculo que tanto as distraía durante o repasto espiritual matutino de recolhimento com Deus. Vingavam-se em olhar atentamente para a figura de Frei Afúrdio dotada de uma expressão um tanto alegre, um tanto brincalhão, mas inspirando um profunda fé que acabou por ser o ecoponto para transmitir todo o apoio espiritual para aquele grupo de ricas almas, aliás sem pecados a não ser alguma coscolhevice, nunca maldosa mas só para fazer história. Apoio este aliás de grande valor porque não o encontrariam melhor num raio de 20 quilómetros um secerdote tão santo e prudente como aquele. Lábios com um sorriso aberto, uma palavra repassada de ternura, voz com os trejeitos sibilinos que elas tanto adoravam. E umas mãos puras, puras, limpas de toda e qualquer porcaria, que não fosse o esterco da massa e das pocilgas. Mas não eram elas que tocavam o corpo do Senhor, ao erguer a Deus, assim como o sangue de Cristo!? Toda a pureza por mais exigente que fosse seria pouca para lidar com tão grande mistério. Nisso Frei Afúrdio era mesmo escrupuloso. E as beatas seguiam-no com não menos devota emulação. Quando alguma delas , no fim da missa, ia à sacristia,  entrava à porta fazendo cruzes.  e aquele local tornava-se num benzedouro. atafegado numas expressões mais aberrantes de paraliturgia sacra naquela sacristia que tantos segredos guardava. Ai se as paredes falassem! Disputavam o lugar para estar mais perto do frade para lhe haurir os perfumes sagrados, num pós missa que iria continuar pelo dia inteiro, em bafuradas espirituais a que antigamente se chamava jaculatórias e que elas repetiam pelo dia fora.

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