ARGENTINA padre morto pelo regime: o primeiro beato do Papa Francisco
Padre CARLOS DE DIOS MURIAS |
Por PAULO MASTROLILI*
O primeiro
santo de Francisco será
um mártir da ditadura militar, se o desejo que o futuro papa havia expressado
antes ainda de ser eleito for respeitado. Carlos de Dios Murias, um jovem frei franciscano torturado e brutalmente
assassinado pelos militares da província de La Rioja, em 1976.
A reportagem
é de Paolo Mastrolilli,
publicada no jornal La Stampa, 19-03-2013.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"A
causa para a canonização – conta-nos o padre Carlos Trovarelli,
provincial dos franciscanos na Argentina e Uruguai –
foi assinada pelo próprio Bergoglio em
maio de 2011. E ele o fez com discrição, para evitar que fosse bloqueada por
outros bispos argentinos, ainda contrários a tais iniciativas baseadas no
compromisso social dos sacerdotes".
Carlos
Murias nasceu em
1945, em Córdoba. O pai era um rico agente imobiliário e um político muito
conhecido na região. Para o seu filho, ele havia imaginado uma carreira de
soldado e o havia inscrito na Escola Militar, mas
logo depois dos estudos, Carlos entrou no seminário e pouco depois foi ordenado
sacerdote por Enrique Angelelli, o bispo militante de La Rioja, famoso pela
sua pastoral dos campesinos.
A situação
naquela província era um retrato fiel dos desequilíbrios do país inteiro:
poucas famílias muito ricas que controlavam tudo, e um monte de trabalhadores
reduzidos quase à escravidão. Angelelli havia
se colocado contra isso, e Murias havia
sido enviado para ajudar os agricultores em uma pequena cidade chamada El
Chamical, juntamente com o padre francês Gabriel
Longueville. Ele devia fundar uma comunidade franciscana,
quando os militares deram o golpe.
Ele começou
a receber avisos, convocações aos quartéis, onde os soldados lhe explicavam que
"a sua Igreja não é a em que acreditamos". Carlos continuou
firme e, no dia 18 de julho de 1976, foi sequestrado junto com Gabriel.
Foi preso na Base da Força Aérea de Chamical,
e dois dias depois o seu cadáver foi encontrado no meio de um campo: havia
furado os seus olhos e cortado as suas mãos, antes de fuzilá-lo.
Angelelli celebrou o funeral atacando os militares: "Atingiram
onde sabiam que ia doer mais. Fui eu que ordenei Carlos,
e eu o coloquei em uma condição de perigo". Duas semanas depois, um
Peugeot 404 encurralou o carro de Dom Angelelli,
enquanto ele viajava para La Rioja: o carro do
bispo capotou, e ele morreu. A polícia arquivou o episódio como um acidente, a
magistratura agora está finalmente investigando o caso como se fosse um
homicídio.
A parte
menos conhecida dessa história é a reviravolta de Bergoglio,
que agora foi revelada pelo padre Miguel La Civita,
estreito colaborador de Angelelli: "Eu o
conheci durante os estudos. Poucos dias depois dos homicídios, ele pegou os
nossos seminaristas e os escondeu no Colégio Máximo dos
jesuítas, dos quais ele era o provincial. Não são histórias que eu ouvi contar:
eu as vivi, em primeira pessoa. E que uma coisa fique bem clara: eu era o exato
protótipo daqueles que então eram chamados de padres terceiro-mundistas, da
teologia da libertação. Com a desculpa de retiros espirituais, o Colégio havia
se tornado um centro para ajudar os perseguidos: eles os escondiam, preparavam
os documentos falsos e os faziam fugir para o exterior. Bergoglio estava
convencido de que os militares nunca teriam a coragem de violar o Máximo".
Quem também
confirma isso é Alicia Oliveira,
famosa magistrada perseguida pelos militares e que depois se tornou ativista
dos direitos humanos: "Bergoglio também
propôs que eu me escondesse no seminário: eu lhe respondi que preferia ser
presa pelos militares, em vez de viver com padres. Ele começou a rir e disse
que eu era uma tola: a posteriori, eu reconheço que ele tinha razão.
Seguramente, eu sei que uma vez ele deu a um homem que se parecia com ele os
seus documentos verdadeiros e uma veste de sacerdote, para fazê-lo escapar para
o Brasil. Se isso não significa pôr tudo em
jogo, sob a ditadura militar, então me explique o que é".
A morte de Carlos
Murias, porém, permaneceu dentro de Bergoglio.
É difícil entender como certos episódios marcam a alma humana, em situações em
que o perigo extremo se torna cotidianidade. "Os jesuítas – explicava Trovarelli –
são a vanguarda total. Eu acredito que a cúria geral ordenou atenção a Bergoglio,
e ele teve que encontrar um modo de salvar as vidas sem expor demais as dos
colegas".
O fato é
que, assim que a diocese de La Rioja começou
a prática para a canonização, o cardeal logo a assinou. Era maio de 2011,
portanto, em tempos insuspeitos: nenhuma campanha papal no horizonte. "Bergoglio assinou
e nos aconselhou a sermos discretos: muitos bispos argentinos, principalmente
os mais idosos, se opõem às causas baseadas no compromisso social. Graças à sua
cautela, o processo seguiu em frente: os testemunhos acabaram e chegamos à
preparação da positio. E agoraBergoglio é
papa. A vontade de Deus faz milagres: seria comovente se o primeiro beato de Francisco fosse Carlos".
* Jornal La Stampa, 19-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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