BENTO XVI Bento soube entrar, estar e sair.


Por RUI OSÓRIO*
Na primeira quarta-feira da Quaresma, Bento XVI recordou que as divisões no corpo eclesial desfiguram a face da Igreja  e defendeu a comunhão eclesial contra os individualismos e as rivalidades.
O Presidente do Conselho Pontifício da Cultura, cardeal Gianfranco Ravasi – aí está, na minha opinião, um bom sucessor de Bento XVI – diz que a renúncia do Papa é um “acto teológico”.
É, de facto, um sinal de grandeza e não uma fuga às responsabilidades. Traduz bem a etimologia da palavra “ministério”. Vem de “minus”, a significar “estar ao serviço de”, “ser menos”, “não ser dominador”. Assim se compreenede que Bento XVI, como sublinha o cardeal Ravasi, tenha saído para deixar mais espaço a quem consiga realizar a missão de sucessor de Pedro de maneira mais plena.
Quem sabe entrar e estar, deve saber sair. Só exerce bem os ministérios na Igreja, ordenados ou laicais, quem não é imperialista e resiste à tentação de os tornar sua posse. Os ministérios requerem liberdade e desprendimento.
Bento XVI não é um desistente. Sai pela porta grande e com a dignidade dos homens de carácter.
Houve tempo em que confirmava o seguinte provérbio romano: “O Papa não adoece, até que morra”. Começou a mudar quando a agonia de João XXIII, seguida com emoção pela opinião pública e publicada. Depois, João Paulo II não temeu expor-se doente aos olhos do mundo. O arcebispo de Cracóvia, Stanislaw Dziwisz, que o acompanhou, na Polónia e no Vaticano, durante 40 anos, evoca-o para dizer que “não se desce da cruz”. Uma afirmação que foi entendida como crítica à resignação de Bento XVI. A resignação de Bento XVI dessacraliza a missão petrina. A renúncia não é um gesto de fraqueza, mas de humildade e de liberdade. É um passo – perdoem-me a perspectiva secular, mas não secularista – para a democratização da Igreja. Só os poderes absolutos gostam de eternizar o seu domínio.
O Papa não é rei dos reis, mas servo dos servos de Deus. A Igreja só cumpre bem a sua missão quando, desde o Papa ao mais anónimo discípulo de Cristo, promove o Reino de Deus e a sua justiça, agindo como fermento, sal e luz para a Humanidade. Não precisa de vistosos ornamentos do poder mas da beleza gratuita do serviço.
Quem nos dera que a eleição do sucessor de Bento XVI seja um tempo favorável para que as comunidades católicas repensem as suas estruturas de governo, que ainda são pré-modernas. Colidem – lá estou a ceder à visão secular! – com os anseios mais democráticos.
Oxalá o Espírito Santo inspire os eleitores, sem que os cardeais julguem que lhes pertence em exclusivo. Sabem que Ele sopra onde quer, a quem quer e como quer. Deus queira que o novo Papa seja pedra fundamental de uma Igreja capaz de dialogar com o mundo como Jesus Cristo: com autoridade moral e com o testemunho do amor.   * “Voz Portucalense”, 20.02.2013

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