Deus entre os mais lidos
Duas constantes das ultimas Feiras do Livro em Lisboa e em Madrid: os Livros sobre Deus e sobre a religião foram os mais procurados. Os que saíam do recinto da Feira, deixavam muitas vezes entrever a capa de um livro religioso, quer fosse uma Bíblia, ou um livro do Novo Testamento, o livro de um santo ou de qualquer tema religioso. Parece que Deus está invadindo as casas e as pessoas Pela escrita, já que Lhe fecham outros areópagos como os das TVs e das Assembleias ou domínios políticos que fizeram profissão de ateísmo ou de indiferença religiosa, ou são membros de sociedades secretas (antes o eram), mas que continuam a lutar contra a religião e o cristianismo sobretudo. Mas o certo é que Deus vende. É indubitável. A “novela” de Deus, indagando o sagrado, rodeando a fé, elegem a religião como eixo narrativo ou contemplam a Igreja como protagonista na luta do bem contra o mal, ocupam as livrarias. À pergunta: “Porque vende tanto a religião?, Vicente Vide responde: “Talvez porque de Deus falamos todos. É um tema que continua a ter actualidade. Suscita curiosidade,fascinação, ou como mortais nos questionamos sobre Deus”. A jornalista Margarida Rivière tem sua própria resposta: “Deus vende… e muito. Vende mais quando há crise e conflito” Talvez tudo se torne mais fácil porque a narrativa contemporânea se converteu num modo de aceder a uma necessidade de Deus que é múltipla, diversa, paralela. Quer seja à custa de fomentar uma imagem da Igreja como uma instituição ocultista, de aventurar teorias sobre a natureza divina ou humana de Jesus, de explorar os textos agnósticos até reinventá-los, o certo é que detrás do êxito de novelas como El Código Da Vinci, La Biblia de barro, Angeles y demónios, La espia de Dios…, quer, da contaminação de judas e marias madalenas, santos graais, de lenda negra e da falsa teologia, transcende uma procura de Deus que as editoriais e os autores estão explorando com maior ou menor fortuna literária, com roupagem de intriga, acção e mensagem. Vide admite que “é verdade que este tipo de literatura costuma apresentar uma imagem deformada do Deus cristão, assim como uma imagem fundamentalista da religião, mas constitui uma oportunidade para educar em valores e para falar do Deus de Jesus de uma maneira nova, próxima e significativa no nosso mundo de hoje”.
“Deus não morreu: contra todos os prognósticos que auguravam a secularização completa das sociedades desenvolvidas, o Ocidente vive numa evolução de espiritualidade” afirma Frederic Lenoir (Madagáscar), filósofo e novelista, autor de Las metamorfosis de Dios, La Nueva espiritualidad occidental (Alianza). Esta necessidade de Deus vai ampliando o campo narrativo. Não só pela reedição, de autores clássicos da literatura do século XX, como são Evelyn Waugh ou G. K. Chesterton, mas do êxito de vendas, por exemplo do canadiano William Paul Young, que arrasa também em Espanha com La Cabaña (Espasa), depois de vender mais de seis milhões de exemplares em todo o mundo, um convite ao perdão e a desfazermo-nos da terrível carga que representa o rancor.
Novelas como a Trilogia del Cristo clonado (Martinez Roca), de James BeauSeigneur, que relata a clonação de Jesus a partir de restos encontrados na “Sábana Santa”, ou El candidato de Dios, de Francisco Gonzalez Ledesma, dão de certo modo, a razão ao famoso crítico literário Harold Bloom, que em Jesus e Javé, Los nombres divinos, equipara Jesus com personagens literários. “O culto ocidental a Deus é, depois de tudo, o culto a personagens literárias, sejam elas Jesus Cristo, Javé, Alá ou Mafoma. Para Bloom, a literatura é a base de toda a formação contemporânea e, portanto, religião e literatura estão intimamente conectadas. Paradoxalmente, a Bíblia da qual precisamente ele é um leitor sagaz e persistente, é uma grande desconhecida. A Espanha é o país europeu que menos a lê e a conhece. No entanto, a novela de Deus triunfa, como símbolo, sem dúvida, não há tanta dissociação com o mundo do espírito, com o desejo de uma vida melhor, com o anelo de que o assassino não tenha a última palavra e de que no final da história possa triunfar o bem sobre o mal. Deus vende. E vende bem. Não está em crise. Deus, a religião, a vida depois da morte, a épica bíblica, se reflectem no êxito da ficção – e de ensaios, sem dúvida – que “têm que ver com o religioso em sentido amplo: mistério, fantasia, personagens sobrenaturais ou com segredos da Bíblia ou do Vaticano, magia, seres mitológicos, pessoas com poderes, temas de ocultismo, profecias, cenas apocalípticas relacionadas com o fim do mundo ou desastres ecológicos”, como enumera Vicente Vide. Porque, no fundo, é difícil subtrairmo-nos à influência da religião, deixá-la de lado e viver a nossa vida sem imaginarmos que tem alguma transcendência, sabermo-nos somente humanos, género perecedoiro e defeituoso. De certo modo, constata o que já sabia Eugene Ionesco: “Não é certo que hoje sejam poucos os que procuram Deus. As pessoas o buscam sempre. Talvez o procurem nos ídolos da canção, do desporto, da política, do terrorismo,… Não é possível uma sociedade sem Deus. Não sei se, desde a minha pobre fé, posso dizer que creio em Deus… mas sim, eu sei – com segurança – que Deus me faz falta” (Juan Carlos Rodriguez, in Vida Nueva, nº 2663)
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