A crise da meia-idade por ARMANDO SOARES
Num
seus sermões, sobretudo em convento de religiosas, o místico alemão Johannes
Tauler (1300-1361) fala frequentemente da idade dos quarenta que provoca uma
reviravolta na vida das pessoas. Todo o esforço espiritual depois dos quarenta
dá fruto e então o homem pode alcançar a verdadeira paz da alma.
A
idade tem o seu significado em relação com o caminho espiritual do homem.
Segundo Tauler, o objectivo do caminho é alcançar o “fundo da alma”, o que há
de mais íntimo no homem, o fundamento em que todas as forças da alma se unificam.
Diz: “é o ponto em que o homem está de verdade, consigo mesmo e no qual Deus
habita”. Este fundo da alma não se pode alcançar com as próprias forças, ou
compromissos ascéticos, e nem sequer com muita oração.
«Em
geral o homem, na primeira metade da vida está preocupado com aquilo que ele
próprio faz. Deseja conseguir algo para si, quer na dimensão das coisas
mundanas quer na dimensão religiosa. Deseja avançar no caminho para Deus
mediante exercícios espirituais.
Mas
só se atinge o “fundo da alma” quando se deixa Deus agir. E Deus opera em nós
através da vida, das experiências que a vida transporta consigo. Deus
esvazia-nos mediante os desenganos. Revela-nos a nossa futilidade através das
nossas falhas, trabalha em nós através do sofrimento de que nos crê capazes.
Estas experiências de vazio, de sermos despojados, condensam-se na meia-idade.
E, aqui, é importante colocarmos em Deus todos os esforços espirituais, para
ser conduzidos por Ele até ao fundo da alma, através do vazio e da aridez do
próprio coração. É nesse fundo da alma que encontramos não as nossas imagens e
sentimentos, mas sim o verdadeiro Deus.»
Tauler
diz que, «na meia-idade é importante deixarmo-nos esvaziar e despir por Deus,
para ser vestidos de novo por Ele com a sua graça. E observa também que entre
as pessoas entregues durante anos a uma vida religiosa, algumas caem numa grave
crise espiritual entre os quarenta e os cinquenta anos. Tudo o que praticaram
até aí, como exercícios religiosos, meditação, oração pessoal ou comunitária,
coro, devoções, tudo se torna insípido. Já não encontram nisso nenhum gosto e
sentem-se vazios, esgotados, sem paz».
Mas
não podemos esquecer que esta crise é obra de Deus. O próprio Deus leva a
pessoa a entrar em crise, a entrar em
confusão.
O
homem pode no entanto tentar a fuga de se encontrar com Deus e com a realidade.
Pode recusar dirigir o olhar para o interior de si mesmo, não localiza a
inquietude no seu coração, mas fora de si, nos outros, nas estruturas, nas
instituições, no mosteiro que é preciso reformar. No seu interior não dá um
passo.
Outro
poderá apegar-se ao que é exterior, a exercícios religiosos exteriores,
iludindo a confrontação interior. Em vez de aplicar o ouvido ao interior
permanece nas “ruas largas e comuns”.
Outros
ainda procuram para a sua crise interior uma solução com base nas formas
exteriores. Atiram pela borda fora as formas tradicionais que receberam e
procuram outras novas. Pretendem procurar novos métodos de meditação. Voam como
mariposas para esta ou aquela forma. Passado o primeiro entusiasmo mudam para o
seguinte que é sempre a forma non plus
ultra. Mas como não perseveram em nenhuma, nunca encontram o seu fundo. Não
escutam a voz de Deus que quer conduzi-los ao seu interior, através das
dificuldades e angústias. E assim, em vez de mudar interiormente, correm atrás
das mudanças exteriores.
A
reacção da fuga é compreensível. Mas são muito poucos os que compreendem a
função positiva da crise da meia-idade. Na maior parte dos casos sentem-se
inseguros. Na vida espiritual, o escalão da meia-idade é um escalão decisivo no
caminho para Deus e para a própria realização. É um escalão doloroso e que leva
muitos a reagirem com mecanismos de defesa e de fuga. A actividade de muitos
homens dessa idade é uma fuga inconsciente perante a crise interior.
Por
isso quanto precisamos de pessoas com experiência para ajudar os outros nas
suas crises e para os acompanhar a uma maturidade humana e espiritual. (in GUNN, ANSELM.o desafio
espiritual da meia-iadde, pp.11-19)
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