70 anos... como sobrevivi por A.
No meu tempo os
carros não tinham cinto de segurança, apoios de cabeça e airbag…
Viajávamos soltos no
banco de trás, na brincadeira, e isso não constituía nenhum perigo…
Os brinquedos eram
multicolores com peças que se soltavam,
pintadas com tintas duvidosas contendo chumbo e outros venenos.
Não havia fechos de
segurança nas portas dos carros, chaves nos armários dos medicamentos,
detergentes ou químicos domésticos.
Andava de bicicleta
de um lado para outro sem capacete, joelheiras ou caneleiras.
Bebia água em
recipientes de barro, na torneira, na mangueira, na margem de um riacho e não
água mineral em garrafas esterilizadas.
Fazia bicicletas de
pau e os que tinham a sorte de morar perto de uma estrada asfaltada batiam
recordes de velocidade, gastavam a sola do sapato a travar e muitas vezes
acabavam a corrida no meio de um silvado…
Brincava livremente
na rua com uma única condição: voltar para casa ao anoitecer. Não havia
telemóveis mas os nossos pais sabiam onde estávamos. Era incrível.
Tínhamos aulas só de
manhã e íamos almoçar a casa. Não tínhamos piolhos: a mãe lavava-nos a cabeça
em casa com Quitoso e, com um pente fininho, removia a piolhada toda.
Braços engessados,
dentes partidos, joelhos esfolados, cabeça rachada,… alguém se queixava disso?
Todos tinham razão menos nós…
Comíamos doces à
vontade, pão com tulicreme, bebidas com o “perigoso” açúcar. Não se falava de
obesidade. Brincávamos sempre mas não éramos super-activos.
Nada de playstations,
de jogos de vídeo, de televisão por satélite, de computador, de Internet com
ficção científica… Só havia amigos…
E os cães e os gatos?
Comiam a mesma comida que nós (geralmente os restos) e não tinham nenhum
problema. Banho quente? Champô? Qual quê! No quintal um segurava o cão e o
outro com a mangueira ia lançando água enquanto ele o esfregava com sabão em
barra de lavar a roupa. Algum cão morreu ou adoeceu por causa disto?
A pé ou de bicicleta
íamos a casa dos nossos amigos mesmo que morássemos a quilómetros de distância.
Entrávamos sem bater à porta e íamos brincar.
Jogávamos o futebol
na rua, muitas vezes com a baliza sinalizada por duas pedras… às vezes, quando
éramos muitos, tínhamos de ficar de fora sem jogar nem sermos substituídos. Mas
isso não era o fim do mundo…
Na escola havia bons
e maus alunos. Uns passavam e outros eram reprovados. Ninguém ia por causa
disso ao psicólogo ou ao psicoterapeuta. Não havia a moda dos superdotados nem
se fala em dislexia, problemas de concentração ou hiperactividade. Quem não
passava, simplesmente repetia o ano e tentava de novo no ano seguinte.
As nossas festas eram
animadas por um gira-discos a fazer aqueles cliques da agulha a deslizar no
disco de vinil. As bebidas eram – claro! – a deliciosa gasosa com cubinhos de gelo.
Tínhamos liberdade,
fracassos, sucessos e deveres… e aprendíamos a lidar com cada um deles.
A única questão é:
como conseguimos sobreviver? E, acima de tudo, como conseguimos desenvolver a
nossa personalidade?
Os mais novos
pensarão que nesse tempo era tudo uma chatice… Mas como éramos felizes!
*Almanaque
BOA NOVA 2013 – Editorial Missões Cucujães
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