A vida é um tempo a valorizar. Não o percas! por ARMANDO SOARES
Aquilo
a que estamos mais apegados e de que nos custa mais desprender-nos é a vida. E
lutamos por todas as formas e meios ao alcance, para conservar a vida por mais
uns minutos ou umas horas ou uns dias. Que o digam os médicos, aos quais
recorremos, ao menor sinal de que a vida nos está fugindo.
Se
abrirmos a Sagrada Escritura lá encontramos, já no Antigo Testamento, a
distinção entre “este mundo” e “o mundo que há-de vir”. “Este mundo” é o tempo
do cosmos material e, por isso, do terreno, do imperfeito e do pecaminoso; como
“mundo futuro” se espera uma era nova na qual terá desaparecido o pecado e a
miséria e serão recompensados os justos. Na literatura apocalíptica o “mundo
que há-de vir” significa o tempo que começa depois do fim do mundo e com a
ressurreição universal. No Novo Testamento, “este tempo” ou “este mundo”
significam o tempo do terreno, do pecado e da corrupção, que é essencialmente
mau e o seu deus é o diabo. E “o século futuro” é a era da graça, da bênção, da
remissão dos pecados, que já se vai realizando nesta terra, com a vinda de
Cristo, a era messiânica ou o reino de Deus que há-de desenvolver-se plenamente
no último dia.
O
tempo pode estar ligado a estados de clima: há o tempo sazonal, há o tempo de
produzir frutos, há o tempo do nascimento dos animais, há o tempo da colheita, do
nascer do sol e das estrelas, da poda, da ceifa, de recolher o gado, tempo para
comer, para sair para a guerra, para fazer a paz,… (tudo isto cita a Sagrada
Escritura). A vida do homem tem também o seu ritmo próprio com tempo para
nascer, tempo para amar, tempo para envelhecer e tempo para morrer. É o ciclo
da vida. Renovando suas forças, pode o homem voltar ao tempo da sua juventude.
A vida do homem está determinada principalmente pela sua actividade
responsável.
Deus
também tem os seus tempos: de agrado, de cólera, de visita a determinadas
pessoas ou ao seu povo, de vingança, de cura e, sobretudo, o seu dia – o Dia de
Javé. (Atribuímos a Deus expressões à moda humana e que o hagiógrafo usa para
fazer os leitores dos Livros Sagrados compreender o que ele escreve). O tempo
em que Deus intervém na história da humanidade é naturalmente o tempo por
excelência pelo objecto dessa intervenção, pois por ela se decide a sua sorte:
(citando apenas alguns casos) de Madián, da Babilónia, de Jerusalém, de Amón,
dos povos pagãos, o tempo de entrar no Egipto, e “o tempo de cada homem” (Lc
21, 24).
Deus
determina a sorte de todos os povos. Tendo Ele um plano de salvação para o
mundo, há-de realizá-lo, com certeza, em e pelo tempo. Para cada pessoa há a
hora de Deus. A hora da Sua visita. Não o reconhecer ou ignorá-lo será grave
porque é não acolher o maior dom que Deus oferece: a vida.
Na
plenitude dos tempos o Filho de Deus fez-se homem. E esse acontecimento dividiu
a história em duas partes: um tempo antes de Cristo (a.c.) e um tempo depois de
Cristo (d.c.) Sempre que alguém escrever, renderá homenagem ao Filho de Deus
que nasceu da Virgem Maria (ao escrever a data num documento e usando a era
cristã). A Ele se referem homens e mulheres de todas as épocas. É o ponto de referência
inevitável.
A
história universal, a humana e a cósmica, não passa de uma lenta preparação
para o nascimento do Salvador ou do progressivo espraiar-se do rio que aí
começa. Cristo é o Senhor do tempo: O alfa
e o omega, o seu início e o seu fim:
cada ano, cada dia, cada momento estão envolvidos pela sua Encarnação e pela
sua Ressurreição. E desta relação do tempo com Jesus Cristo emana a obrigação
de santificarmos o tempo. É lindo o que diz Santo Agostinho «gerado por seu
Pai, Jesus Cristo dispõe harmoniosamente os dias; nascendo de sua mãe, consagra
o dia actual».
A
nossa vida é, no fundo, o tempo em que vivemos. Dedicamos o nosso tempo àquilo
que mais valorizamos. Comprometemo-nos, na programação do nosso tempo, como
cristãos, a dedicarmos tempo à oração, à leitura da Palavra de Deus e dos
acontecimentos, à convivência fraterna, à revisão da nossa vida, à formação
contínua,… como coisas de maior valor, e decidimos dedicar-lhe o melhor do
nosso tempo… mas depois, vem, por negligência ou activismo, empregamos o tempo
em função de nós próprios, dos nossos gostos, das nossas coisas,… e acabamos
por não ter tempo para Deus, nem para os irmãos! Estão tão ocupados, ou tão
desocupados que, para nos pormos em comunicação com Deus, temos de cortar com o
nosso ritmo! Doutro modo: o encontrar-se com o irmão, pessoa a pessoa, requer
uma generosidade que o negligente não possui, e uma tranquilidade que o
acelerado não consegue.
Mas
há os chamados “tempos livres”. Aproveitá-los bem. Define o que somos: nas
tardes de domingos ou dias santos ou feriados: dedicados à leitura, ao cultivo
da amizade pessoal e construtiva, a visitas aos doentes, a visitas a
familiares, visitas a utentes de Lares da Terceira Idade, visitas a quem vive o
terrível drama da solidão, visitas aos abandonados, visitas aos pobres, a um
templo para aí rezar ou ler a Bíblia, a um templo para aí meditar diante do
Santíssimo Sacramento, para dar um passeio a um lugar histórico-cultural, para
admirar uma paisagem deslumbrante, que nos transporta para a infinidade e
grandeza de Deus, para repouso justo do trabalho semanal… ou cair de tédio na
impessoal companhia do televisor, ou simplesmente ouvindo e lendo
videocassetes, ou dvds…
Hoje
diz-se, com frequência: «Nunca há tempo para as coisas mais importantes».
Falham as relações com os pais, com os filhos, com a esposa ou o marido, com a
comunidade, vive-se uma vida individualista, ou de relações frágeis. Muitos
jovens contentam-se com os divertimentos, a música, o que a vida quotidiana
oferece, o ambiente morno do café ou agressivo da discoteca, não conseguindo já
entusiasmar-se por ideais verdadeiros e nobres.
Que
exemplos damos nós, os mais velhos, nas comunidades, nas famílias, nas
paróquias, nas casas de formação, nas escolas? É hora de aprendermos a gerir
bem o tempo. Temos de canalizar as energias para ajudar o próximo, administrar
o tempo em função dos valores talvez antes descuidados, com a criatividade, a
gratuidade, a relação fraterna com os demais, a intimidade com Deus…
O
superocupado suspira por tempos melhores, para se dedicar mais a Deus e aos
irmãos. O negligente também deixa isso para mais tarde. Mas, quem não reza
agora, por falta de tempo, também não rezará quando o tiver de sobra, mas as
forças forem menos e os achaques mais!
O
“hoje” que Deus nos dá é o que devemos viver em plenitude. Vivendo-o não
cometendo as mesmas faltas ou erros de “ontem”, e vivendo o momento presente
preparando o “amanhã”, o futuro com que sonhamos.
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