Jesus de Nazaré um homem fraternal e compassivo



Jesus de Nazaré

Uma característica central da personalidade de Jesus é a fraternidade, sentida como compaixão e vivida como serviço.
Jesus é o homem fraternal: sabe ver em cada pessoa que se aproxima dele, um irmão, uma irmã. Profundamente acolhedor, particularmente com os que se sentiam discriminados por questões sociais ou religiosas: doentes, pecadores, mulheres, crianças; Zaqueu, Maria Madalena, a mulher adúltera,… . É um homem que sabe escutar em profundidade, sabe penetrar no coração das pessoas e tem a palavra certa para cada uma. Sabe ver a pessoa na sua situação e é capaz de colocar-se no seu lugar: compadece-se (literalmente, “comove-se em suas entranhas”) perante a necessidade e o sofrimento.
A compaixão descreve adequadamente o ser, o sentir e o agir de Jesus. O texto evangélico usa a expressão grega da tradução hebraica que significava Yhwh “comovendo-se em suas entranhas”. E assim se diz: sentir pena, misericórdia, compaixão, enternecer-se e comover-se nas entranhas. É sentir com o outro e actuar em seu favor.

O pai do filho pródigo “sentir compaixão” ao ver regressar o seu filho mais novo. E age logo: “saiu correndo, o abraçou e cobriu de beijos”, vestiu-o com o mais belo vestido, anel no dedo, sandálias nos pés, matou vitelo e fez festa (Lc 15, 20-23).Do mesmo modo no caso do samaritano: “sentiu compaixão” e desencadeou uma acção: “-se dele, tratou-lhe as feridas, pô-lo na montada, levou-o à estalagem e cuidou dele. No dia seguinte pegou em dois denários e deu-os ao estalajadeiro…” (Lc 10, 34-35).
A Jesus se “comovem as entranhas” ao ver um leproso (Mc 1, 41); perante gente que sofre a fome e o abandono ( Mc 6, 34; 8,2); perante a viúva que perde seu filho único(Lc 7, 13); perante os cegos que pedem esmola à beira do caminho (Mt 20, 34,…
O evangelho denuncia duramente a atitude que bloqueia a compaixão: a indiferença. Com esta nos encurralamos na comodidade, é uma defesa que nos cega. “Olhos que não vêem, coração que não sente”. Vemos a indiferença nas parábolas de Jesus: o rico banqueteando-se e o pobre Lázaro que morria à sua porta (Lc 16, 19-31); o sacerdote e o levita “passam ao largo” perante o ferido e os que recebem a queixa no juízo final “tive fome e não me destes de comer,  tive sede e não me destes de beber” (Mt 25, 31-46)
A indiferença impediu-os de sentir e viver a compaixão.
Não há dúvida: se a religião foi o que mais dor de cabeça proporcionou a Jesus a compaixão foi o que mais encheu o seu coração. Os próprios milagres nascem sempre do seu amor e são sinais de libertação.
Se para ele, o valor supremo é a pessoa, que defende sempre, acima de qualquer outra pretensão e norma – Lei,  sábado. tradições…-, o seu mandamento único é o amor. Numa atitude que inclui o perdão e o amor ao inimigo: um amor gratuito e incondicional (Lc 6, 27-36). Vive a fraternidade de tal maneira, e se sente tão unido ao ser humano que afirma que se ama a ele quando se ama o ser humano em necessidade.
Quando insiste tanto na radicalidade do amor como seu único mandamento, aporta sua vivência do amor como bondade, acolhimento, proximidade, fraternidade, defesa da pessoa, entrega e serviço. A razão do seu ser e do seu viver são os outros: “Não vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10, 45). O seu amor é gratuito e incondicional: um amor que não se detém diante de nada: críticas, mentiras, traições, negação, abandono, ódio…, e que se mantém até na cruz: “Pai, perdoa-lhes…” (Lc 23, 34).

Este homem - servidor não era um iludido. Jesus viu claramente que o perigo mais grave para os humanos é a tentação do poder. Por isso estabelece logo o princípio: aquele que pretender ser o maior entre os outros, não pode entrar no Reino dos Céus. Por isso pede aos discípulos “sede como crianças” (Mt 18,3), ou rebaixar-se até à condição de “escravos” (Mt 20, 26-27). E falar de crianças e de escravos era, na realidade falar de pessoas sem direitos. Jesus foi intransigente neste ponto. De tal modo que Lucas vai colocar uma solene declaração, imediatamente depois do relato da instituição da Eucaristia: “Produziu entre eles uma discussão sobre quem devia ser considerado o mais importante. Jesus lhes disse: Os reis das nações exercem domínio sobre elas, e os que têm autoridade recebem o nome de benfeitores. Mas vós não deveis proceder desta maneira. Entre vós, o mais importante há-de ser como o menor, e o que manda como o que serve… Eu estou entre vós como o que serve” (Lc 22, 24-27). Tudo o que é poder na Igreja tem de se praticar à luz do evangelho… mesmo que pareça não “eficaz”.
Jesus, porque é amor, viu sempre a pessoa na óptica do amor. Muitos ouvintes de Jesus receberam as suas palavras como expressão de um amor inimaginável. Por volta do ano 100, quando se escreve o quarto evangelho, exprimem-no desta maneira: “Jesus, tendo amado os seus que estão no mundo, os amou até ao fim” (Jo 13, 1). E, no livro dos Actos, se coloca nos lábios de Pedro este resumo da vida do mestre: Jesus foi o homem que “passou fazendo o bem” (Act 10, 38).
Um lúcido crente do nosso tempo, mártir dos nazis, Dietrich Bonhoeffer, definia Jesus, numa expressão totalmente justa, como “o homem para os outros”. É para nós difícil imaginá-lo e, mais ainda, abrir-nos à experiência de um amor assim, porque estamos longe de ver-nos movidos unicamente pelo amor. Mas, como escreveu Karl Adam, “um amor assim permanece gravado para sempre na memória da humanidade”. É o amor que dá a medida do maturidade humana. Em Jesus se revela o que é o ser humano. E quando se transcende a consciência egóica e se acede ao transpessoal, se experimenta a Unidade e é impossível não viver a compaixão para com todos os seres, não por algum tipo de moralismo moral, mas porque se viu o que somos. Se apalpa então, de modo inequívoco, que conhecer (descobrir ou ver  a verdadeira natureza da realidade) é amar.
In     Enrique Martinez Lozano, recuperar a JESUS una mirada transpersonal, pp. 35-42.

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