Deus nos pobres *


São Vicente de Paulo

A nossa  atitude para com os pobres não se deve regular pela sua aparência externa nem sequer pelas suas qualidades interiores. Devemos considerá-los, antes de mais, à luz da fé. O Filho de Deus, quis ser pobre e ser representado pelos pobres. Na sua paixão, quase perdeu o aspecto de homem; apareceu como um louco para os gentios e um escândalo para os judeus. Todavia, apresentou-se a estes como evangelizador dos pobres: Enviou-me para evangelizar os pobres. Também nós devemos ter os mesmos sentimentos de Cristo e imitar o que Ele fez: cuidar dos pobres, consolá-los, socorrê-los e recomendá-los.
Cristo quis nascer pobre, chamar para sua companhia discípulos pobres, servir os pobres e identificar-se com os pobres, a ponto de dizer que o bem ou o mal feito a eles o tomaria como feito a Si mesmo. Deus ama os pobres, e por conseguinte ama também aqueles que os amam. Na verdade, quando alguém tem especial afecto a uma pessoa, estende também este afecto aos seus amigos e servos. Por isso temos razão para esperar que, por causa do nosso amor dos pobres, também nós seremos amados por Deus.
Quando os visitamos, procuremos compreender a sua pobreza e infelicidade para sofrer com eles e ter os sentimentos de que fala o Apóstolo, quando diz: Fiz-me tudo para todos. Esforcemo-nos por sentir profundamente as preocupações e misérias dos nossos semelhantes; peçamos a Deus que nos dê o espírito de misericórdia e compaixão e que conserve sempre em nossos corações estes sentimentos.
O serviço dos pobres deve ser preferido a todos os outros e deve ser prestado sem demora. Se durante o tempo de oração, tiverdes de levar um medicamento ou qualquer auxílio a um pobre, ide tranquilamente, oferecendo a Deus essa boa obra como prolongamento da oração. E não tenhais nenhum escrúpulo ou remorso de consciência se, para prestar serviço aos pobres, tivestes de deixar a oração. De facto não se trata de deixar a Deus, se é por amor de Deus que deixamos a oração: servir um pobre é também servir a Deus.
A caridade é a máxima norma, e tudo deve tender para ela; é uma grande senhora: devemos cumprir o que ela manda. Renovemos, portanto, o nosso espírito de serviço aos pobres, principalmente para com os mais abandonados. Esses hão-de ser os nossos senhores e protectores.
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(Carta 2546 de São Vicente de Paulo: Correspondance, entretiens, documents, Paris 1922-1925, 7)

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