DEUS MISERICÓRDIA A misericórdia não se diz
DEUS
MISERICÓRDIA A misericórdia não se diz por Joaquim Franco
Dizer a misericórdia é uma
tarefa difícil, talvez impossível. Poderemos sondar os caminhos onde a
misericórdia se faz, porque, nascendo num Deus que se espera, a misericórdia
ganha expressão prática no homem que Procura. Como a justiça, a misericórdia revela-se na acção.
"Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia".
A misericórdia é uma libertação do isolamento, da solidão.
Benevolência, bondade e compaixão surgem em quase
todos os contextos éticos ou religiosos. E sem a permanência e a urgência do
outro, a fé cristã é um equívoco. Não há fé sem consequências na vida praticada
e partilhada. Não faz sentido sem a corresponsabilidade. Seria um equívoco.
O indivíduo é um somatório de
contextos e de relações. Ser humano é viver a essência da relação. Um Eu a
caminho de um Tu, para fazer um Nós. E é neste Nós inevitável que Deus se
revela, na intimidade da relação. Pode estar antes, mas revela-se em relação.
Ninguém pode ter uma relação com Deus se não tiver uma relação com os outros.
Uma relação de coração, uma relação de intimidade. Ser com e para. O grande
desafio é o outro e a sua intrínseca dignidade, antes da condição de ser. Um
Deus de misericórdia, que se revela pelo homem, tem “coração”, faz relação, é
capaz de comover e de se comover. De ceder para facilitar o encontro e
reconstruir. Como diz frei Fernando Ventura, “se o Deus de misericórdia é um
Deus com tripas, então a misericórdia só pode significar que temos de fazer das
tripas coração para ir ao encontro do outro” (1).
A felicidade é um caminho
construído com o outro e não há como não reconhecer que , sem o outro, nada
somos. Ter misericórdia não é dar esmola, eternizando a carência do outro. É
“entrar” na carência do outro até que esta se torne a nossa debilidade
insuportável. Até que a carência do outro seja a nossa carência.
As obras de misericórdia indicam um percurso revolucionário - “amarás
o teu próximo como a ti mesmo”. As denominadas obras espirituais agarram por dentro, encostam o individuo à
parede. As obras corporais exigem uma
hermenêutica para o exterior, estão de saída. Diz o papa Francisco que justiça
e misericórdia são “duas dimensões duma única realidade” (2). A misericórdia é
operativa, não é teórica. Se a misericórdia faz a (re)construção do outro,
implica a justiça. Por isso não se diz, ou melhor, diz-se quando se faz, na
construção ética, no exercício da justiça e da paz com um inquestionável
enquadramento político e comunitário. MissãoPress in VOZ DA MISSÃO, Jan.2016
(1) Do Eu solitário ao Nós
Solidário (2011) e Somos pobres mas somos muitos (2013), Verso de
Kapa
(2) Bula Misericordiae Vultus, 14.04.2015
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