MISSÕES O coração do missionário tem de ser um espaço aberto por Hugo Anes
MISSÕES
Entrevista ao Diretor das Obras Missionárias Pontifícias (OMP)
O coração do missionário tem de ser um espaço aberto por Hugo Anes
in "VOZ DA MISSÃO" outubro 2017
in "VOZ DA MISSÃO" outubro 2017
No decorrer das Jornadas Missionárias 2017, que
se realizaram em Fátima, entre os dias 16 e 17 de setembro, sobre o tema
‘Missão do coração ao coração’, o diretor das Obras Missionárias Pontifícias
(OMP), o Padre António Lopes, SVD, disse que a missão requer “diálogo, proximidade
e relação”.
Voz da
Missão: O Padre António Lopes é missionário da Congregação dos
Missionários Verbo Divino. Esta comunidade é formada por leigos e clérigos
provenientes de diversos países e culturas cuja missão é levar a todos a Boa
Nova do amor de Deus. Quando e de que modo descobriu que queria ser
missionário?
Padre António Lopes: Não tive um “clik”
momentâneo. Foram anos de vivência e de procura de chamadas, repetidas de Deus,
e de respostas atabalhoadas da minha parte; de avanços e recuos até que, num
momento de maior prova, eu disse sim: quero ser missionário. E hoje sinto que
este meu sim valeu a pena e vale a pena.
VM: Após a entrada para os Missionários
do Verbo Divino, qual foi o seu percurso como missionário?
P.A.L.: O meu percurso
missionário desenrolou-se “quase” todo no Togo onde cheguei a 14 de
Fevereiro de 1990. Desde a noite da chegada até à noite da saída em Julho 2006,
fui-me deixando envolver pelo calor, pelos cheiros, pela cultura, pelo saber e,
sobretudo, pelas pessoas com quem aprendi a encontrar-me e a deixar-me encontrar
com o que é cultural, social e religiosamente diferente de mim. Foi como que um
“perder- se” para me encontrar e ser quem
sou. Talvez, hoje, menos complicado, mais paciente, mais sereno e
mais aberto à novidade que todos os dias Deus me apresenta.
VM: Atualmente, o Padre António
Lopes é também diretor das Obras Missionárias Pontifícias. Qual é a sua missão?
P.A.L.: As Obras Missionárias Pontifícias
(OMP) são o instrumento para a cooperação com a missão universal da Igreja no
mundo. Têm como tarefa animar e aprofundar a consciência missionária de cada
batizado e de cada comunidade chamando a uma mais profunda formação missionária
e alimentando a sensibilidade de cada comunidade cristã para oferecer a sua ajuda
humana e material na difusão do Evangelho. A minha tarefa é ajudar cada cristão
a sentir-se responsável por levar Jesus Cristo a cada pessoa.
Legenda: Padre António Lopes, diretor das
Obras Missionárias Pontifícias (OMP)
Foto João Cláudio OMP
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VM: As Obras Missionárias Pontifícias
(OMP) é a instituição da Igreja Católica que compreende quatro Obras
Pontifícias: Propagação da Fé, Infância Missionária, São Pedro Apóstolo e União
Missionária. Portanto, existem quatro obras, cuja missão comum é apoiar a
atividade dos missionários. Como é que as Obras Missionárias Pontifícias (OMP)
coordenam o trabalho entre estas quatro “frentes” missionárias?
P.A.L.: A coordenação das quatro
Obras não é tarefa fácil devido ao seu “desconhecimento” por parte da
comunidade cristã. No início desta minha missão, fui a uma paróquia. O pároco
apresentou -me: “Está connosco o diretor nacional das Obras Missionárias
Pontifícias”. No final uma senhora veio ter comigo e perguntou se eu era
engenheiro e ía construir, fazer obras, na paróquia. Chamam-se “Obras” porque
como o nome indica é algo que nunca está acabado, está sempre em constante
renovação. São quatro Obras:
- Obra da Propagação da Fé – criada por uma leiga, uma jovem de 17 anos, Paulina Jaricot em 3
de Maio de 1822. É a obra que conhecemos mais pela vivência do Domingo Mundial
das
Missões. A sua finalidade é suscitar o interesse de toda a Igreja
pela evangelização em terras de missão.
- Obra da Santa Infância (IM) – foi fundada pelo bispo D. Carlos Augusto Maria de
Forbin-Janson no dia 19 de Maio de 1843. A sua finalidade é ajudar os
educadores a despertar nas crianças o espírito missionário universal, espírito de
solidariedade. O lema é “Crianças evangelizam e ajudam crianças”. E têm uma
saudação que fazem em todoo mundo com a mão aberta: De todas as crianças do mundo. Sempre amigos!
Estamos a implementá-la nas dioceses de Portugal e tem tido uma
grande aceitação por parte das crianças e sobretudo por parte dos pais. Há uma
implicação da própria família.
- Obra de São Pedro Apóstolo – quase que diria que é inteiramente desconhecida em Portugal
e que, por isso, temos de fazê-la conhecer e amar. Foi fundada em
1886, por uma leiga, jovem, Joana Bigard, com o encorajamento e orientação de sua mãe Estefânia. A sua
finalidade é a formação do clero local e dos catequistas em terras de Missão.
Devia ser uma Obra querida e apoiada de todo o clero e
seminaristas, assim como de todo o povo cristão, que através da oração e da sua
ajuda contribuem para que nunca faltem trabalhadores na messe de Senhor.
- Obra da União Missionária Pontifícia
– fundada pelo beato Paulo Manna tem como
finalidade favorecer o espírito missionário entre sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas
e outras pessoas empenhadas no ministério
pastoral da Igreja. O objetivo é o de colocar a Igreja “em estado permanente de
missão”.
VM: Quando se diz que a Igreja Católica
na sua essência é missionária, significa também que há que promover um maior
conhecimento, colaboração, entreajuda e partilha entre todas as igrejas do
mundo. Como se promove este encontro? Que iniciativas e meios são utilizados?
P. A.L.: Sim, todos somos
implicados, pelo batismo, na missão da Igreja.
Todos somos “discípulos missionários” no dizer do Papa Francisco. Isso implica- me nessa saída em
relação aos outros. Faz-me ter vontade de lhes dizer quem sou: cristão! e
porque o sou: porque me encontrei com Jesus Cristo o Salvador. Isso é o que
cada cristão deve dizer ao outro, sobretudo dizê-lo a quem nunca ainda ouviu
falar de Jesus.
Como o posso fazer? É verdade que nem todos podemos ir em missão,
nem todos podemos ir anunciar em terras bem distantes Aquele com quem nos encontrámos
e que é o Senhor das nossas vidas. Então, como não posso ir, posso ajudar com o
meu dom para que a missão avance. Daí que há já 90 anos que foi instituído o
Dia Mundial das Missões, para que os cristãos possam
sentir-se presença ativa na Missão, com os seus dons. Esses dons
que são oferecidos no ofertório desse dia Mundial das missões são canalizados
para o chamado Fundo internacional missionário.
E que depois é distribuído pela Congregação para a Evangelização
dos Povos pelas 1111 Igrejas dos chamados~territórios de Missão. Eu não posso
ir? Mas com o meu dom generoso participo
desse modo ativamente na missão.
Legenda: As Jornadas Missionárias são um momento de encontro e confraternização dos Missionários |
VM: O Guião Missionário é um livrinho que é distribuído, todos os anos, no mês de outubro – o mês das Missões – nas comunidades cristãs para dinamizar o entusiamo e compromisso missionário. Em Portugal, quais são as dioceses que estão mais intimamente ligadas à missão e por isso também são mais empenhadas?
P.A.L.: Em Portugal todas as
dioceses estão ligadas à Missão. Isso faz parte, ou devia fazer parte, do ADN
das dioceses de todos os cristãos. O decreto Ad Gentes do Concílio Vaticano II
afirma que a Igreja é por sua natureza missionária. Por isso todos têm o dever
de sentir-se e ser missionários. O Papa Francisco na sua mensagem para o dia
Mundial das Missões em 2014 relembrava que “os bispos, como primeiros
responsáveis do anúncio, têm o dever de favorecer a unidade da Igreja local no
compromisso missionário, levando em conta que a alegria de comunicar Jesus
Cristo se exprime na preocupação de anunciá-lo nos lugares mais remotos e na
constante saída às periferias do seu território, onde há mais pobres que
esperam esse anúncio”.
É bom ter sempre presente que toda a Igreja, todas as Igrejas, são
para todo o mundo.
V.M.: No mês de setembro,
realizaram- se as Jornadas Missionárias 2017, iniciativa promovida anualmente
pelas Obras Missionárias Pontifícias. O tema das jornadas deste ano «Missão do
Coração ao Coração», sublinhou a dimensão afetiva. Como deve ser o coração do
missionário?
P. A.L.: O coração, a vida, do
missionário tem de ser um espaço aberto. Um espaço movido pela caridade
pastoral e a proximidade maternal daqueles que já estão próximos estabelecendo
com eles uma relação de carinho e intimidade. Um espaço marcado pela gratuidade
radical do anúncio, tem de ser um coração sempre animado por uma profunda esperança
de que a Palavra anunciada dê fruto. Um espaço aberto como um “pátio dos
gentios” que num diálogo franco e aberto sabe acolher e ser acolhido até ao
ponto em que digamos: não me perguntes de onde vens, mas aonde queremos ir.
V.M.: As reflexões apresentadas pelos
vários oradores ao longo das Jornadas Missionárias 2017, inspiraram- se em
Maria, Mãe de Deus. Significa que Nossa Senhora é o modelo que os missionários
devem seguir?
P. A.L.: Mais do que seguir,
Maria é o modelo que o missionário deve acompanhar e sentir-se ao mesmo tempo acompanhado,
animado por Maria. Ela é “mestra” porque é aquela que ao sentir-se chamada a
essa missão maternal do Verbo de Deus acolhe o projeto divino, acredita no
impossível de Deus, não o guarda para si mesma, mas “compondo-o” no seu
interior, no seu
coração, leva-O, oferece-O aos outros. Corre “apressadamente” a
anunciá-lo aos seus familiares; faz com que se “revele” plenamente como “novo”
aos discípulos e ensina-os como devem comportar-se nas horas difíceis da
missão, para onde devem olhar e o que devem sentir e escutar: “Filho eis a tua
mãe”. É isto que o missionário deve ter sempre presente, que todos os
“discípulos missionários” devem ter presente: “Temos Mãe” como disse o Papa
Francisco em
Fátima.
V.M.: Todos os oradores das Jornadas
Missionárias 2017 sublinharam também que o missionário é aquele que realiza
todo um trabalho pessoal de amadurecimento e aperfeiçoamento dos seus gestos,
palavras e ações, como que num esforço e atenção
contínuas para se identificar cada vez mais com Cristo. Esse é o
ideal do missionário?
P. A.L.: Naturalmente que sim. O missionário
sabe que a Palavra que ele tem de anunciar não é dele. Ele é o instrumento dessa
Palavra que deve consolar, dar esperança e alegria a todos os
homens de todos os tempos e de todos os lugares. Essa Palavra que
o missionário com fidelidade, não pode limitar-se a transmitir como uma mera
repetição, mas que pela ação do Espírito Santo tem de fazer de forma sempre
nova, jovem e fresca. À maneira de Jesus, o
missionário tem de falar de Deus de maneira nova, interpelante e
apaixonada de modo que as pessoas se sintam interpeladas e afetadas no coração
e na vida, e o mundo seja transformado nessa obra maravilhosa que Deus coloca nas
nossas mãos.
V.M.: No decorrer das Jornadas Missionárias
2017, o testemunho e a reflexão do diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados
(JRS), Dr. André Costa Jorge interpelou muito os participantes, não só pela
atualidade do tema das migrações, mas sobretudo porque foi um testemunho que
nos ajudou a que a missão não ficasse “no ar” e fez-nos aterrar para o problema
destas pessoas. O Santo Padre Francisco insiste muito que a missão da Igreja é
ir ao encontro das periferias. Atualmente, quais são as periferias da missão?
P. A.L.: Numa palavra podíamos
dizer que as periferias da missão é todo o homem e o homem todo. E por isso temos
sempre de “sair”, temos de ser companheiros de caminho e de viagem
com todas as pessoas e as suas realidades quotidianas,
especialmente com os mais pobres e excluídos da sociedade, os “pequenos”, os
humildes, os simples, os marginalizados, os sem voz, os imigrantes, os que
estão cansados e oprimidos, a quem Jesus chama “Benditos”. Face a todas estas
realidades e desafios ninguém deve ficar indiferente, pelo contrário é a todos
que devemos levar a alegria do Evangelho e a expressão da caridade de Deus.
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