CONTINUA A HAVER VALORES conf. de Prof. ANSELMO BORGES

CONTINUA A HAVER VALORES
Prof. ANSELMO BORGES i«Pensar o futuro»,
in O REGIONAL 06.02.2020.

Continua a haver valores mas verifica-se uma inversão na hierarquia, padre e professor de Filosofia e Ética, em São João da Madeira.
O padre e professor universitário Anselmo Borges esteve de novo nos Paços da Cultura, para uma sessão especial do ciclo “Pensar o Futuro”, tendo como mote a pergunta “Já não há valores?”. O orador convidado regressou a S. João da Madeira assegurando que na nossa sociedade continua a haver valores, no entanto, considera que houve uma inversão na escala, na pirâmide ou hierarquia. Para o padre, como já havia escrito num artigo de opinião «precisamos é de repor uma escala decente de valores. Comecemos pela justiça, em ligação com a verdade e a igualdade, junte-se-lhe a liberdade, coroada pelo amor. Afinal, há gente riquíssima que é infeliz e quem viva feliz na sobriedade».

Continua a haver valores mas…
A sessão arrancou com a constatação por parte de Anselmo Borges a achar que as pessoas estão desiludidas e desencantadas e por isso afirmam “já não há valores”. Daí a questão levantada que dá mote a esta sessão. “Eu estou aqui para dizer que ainda há valores. O problema é outro”. E, nesse sentido, de uma forma pedagógica começou por explicar a sua teoria com um conceito que vem da biologia, a neotenia. O exemplo escolhido foi o nascimento do pintainho que, mal vem ao mundo, “anda ali a picar, come e dali por diante cresce e engorda. Mas, faz sempre o mesmo, desde o primeiro dia, e não inova”. Em comparação com o ser humano, que afirma ser prematuro, que chega ao mundo “desarmado e desprotegido”, e se for entregue a si mesmo, “o bebé não sobrevive”. E perante esta realidade conclui que “esta é a possibilidade que temos de ser quem somos, seres humanos. Nascemos por fazer e temos de fazer-nos, recebendo cultura e produzindo cultura”, considerando que essa é que é a tarefa humana. “Cada um tem de fazer-se a si mesmo, e não é tão pouco quanto isto” assegura. Mas, perante esta constatação surge outra questão relacionada como a forma que nos fazemos. E segundo o padre Anselmo Borges “fazemo-nos realizando valores”, acrescentando que, e acima de tudo, “é bom que nos façamos bem”.
Nesta ligação que fez para constatar que ainda existem valores, assegurou que é essencial que a pessoa se dê bem consigo mesmo, e consequentemente “dar-se bem com os outros e com a natureza”, para a assim ter saúde. Mas, “precisamos de também de estar bem com a transcendência, com o sentido último”. E é aqui que começa “a hierarquia dos valores”, sendo que elege como prioritário os valores vitais, seguindo-se os valores da saúde. “Se não há saúde a pessoa não se consegue realizar”, destacando a importância que a saúde tem na pessoa. Elegeu posteriormente o valor da segurança, que considera ser “incalculável, pois nós pagamos impostos para termos segurança”.
Nesta escala de valores segue-se o valor do reconhecimento.
“Nós andamos todos à procura de sermos reconhecidos, mas também de reconhecer os outros”. E por último, “quando as pessoas dizem que já não há valores, eis-nos chegados aos valores mais espirituais”, que podem ser os estéticos. E sobre a beleza citou Dostoiévski que afirmou “como é que nós poderíamos sobreviver se não houvesse a beleza”. E foi aqui que fez o paralelismo com o divino, afirmando que outro nome para a beleza é Deus. No entanto, não deixou de “beliscar” a religião católica e a falta de beleza em algumas liturgias. “Eu admiro-me como é que ainda vai tanta gente à missa!”, exclamou. E ao chegar aos valores espirituais, “encontramos aqui os valores estéticos e intelectuais”, relevando o valor do conhecimento e valorizando a escola. “Apostemos na cultura, na escola nos vários graus. Um país é grande e terá futuro se apostar nos valores intelectuais”.
“A ética não é um fardo, mas sim o fazer as coisas de forma adequada
E desta forma entra-se nos valores morais. “Como viemos ao mundo para fazer, e somos livres, surge a pergunta inevitável, – o que é que eu devo fazer para ser autenticamente eu?” E diz ser errado o conceito de que se somos livres deveríamos poder fazer aquilo que nos apetece. “Nós enquanto seres humanos somos verdadeiramente livres quando fazemos aquilo que devemos fazer”, o que leva à pergunta ética e moral, “o que é que devemos fazer para sermos nós?” Anselmo Borges considera que “a ética não é um fardo, mas sim o fazer as coisas de forma adequada”. E continuando nesta hierarquia de valores aqui entram os valores ético-políticos. Apesar de considerar haver distinção entre ambas, julga haver algum contacto. “Se todos fossemos éticos, todos cumpriríamos a lei, porque a lei era justa”, e desta forma considera que teríamos a política adequada. Mas, “não somos todos éticos e nem sempre somos éticos, então aparece a política noutra dimensão, que é a organização da sociedade de tal maneira, que se dá o monopólio ao Estado da violência, no sentido amplo da palavra”, lembrando que quem não cumpre a lei ou não paga impostos tem uma sanção.
“Todos estes valores para quem?
Esta é a questão que se coloca, a que o padre Anselmo Borges prontamente responde que são para a pessoa humana. “Para sermos felizes, para a realização plena da pessoa”, assegurando que o valor mais alto é a pessoa. E segundo as suas palavras “a família é o lugar ideal filhos e transmitir-lhes os valores”, fazendo alusão ao facto de haver famílias desestruturadas que passam a ideia de uma “sociedade doente”. E nesse sentido lembra que “na família há autoridade própria dos pais e há o afeto. Os valores são transmitidos com uma autoridade de forma afetiva”. Lembrando uma citação do filósofo Immanuel kant afirmou que “as coisas são meios e têm um preço”, recordando que no início da hierarquia estavam os valores vitais que tinham um preço. Mas, a pessoa “é de valor supremo, onde é tudo para si mesmo e não tem preço. A pessoa tem dignidade, é fim em si mesmo”. Mas, para que a pessoa seja fim para si mesmo, e seja digna, ela tem de ter algo de infinito. E assim, se entra nos valores religiosos, que “têm a ver com a transcendência”.
“Tentem estar consigo próprios todos os dias, sozinhos, durante 10 minutos para pensar”
Então, a resposta à questão de que já não há valores, “passa por coisas graves que aconteceram”. Segundo Anselmo Borges “andamos perdidos, andamos desnorteados” e no tempo atual “a nossa palavra escola, que deriva da palavra grega scholé, que significa ócio. Não vista como preguiça mas, como o tempo livre para homens e mulheres livres pensarem e governarem a polis. E é isso que falta, porque tudo se tornou negócio”, a que também associa a política. “Já não é o bem comum que está em questão. E a política é feita a pensar nos votos”, refere. E deixa o alerta para o perigo de se estar a formar pessoas deformadas. “Tudo é negócio, e já não há ócio para governar”, num mundo, que lembra que “pela primeira vez é verdadeiramente global”, onde os mercados são globais, mas onde os governos que poderiam controlar são locais ou nacionais. “O que temos hoje é a «financerização especulativa» da economia desregulada”, e nesse sentido afirma que “precisamos de uma «governancia global» para nos entendermos enquanto humanidade neste mundo global, encontrando soluções mínimas ético-jurídico-políticas. Não vejo como é que a humanidade vai conseguir saltar fora desses problemas que se vão agigantar, no meu entender, cada vez mais”.
A finalizar e em jeito de conselho, o padre e docente de filosofia deixou um conselho a todos os presentes, para que “tentem estar consigo próprios todos os dias, sozinhos, durante 10 minutos para pensar”.
Paulo Guimarães

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