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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Observador 11/6/2016
Hoje, defend
“Uma grande vitória da vida!”
er que a criança já concebida mas ainda não nascida é parte do corpo da mãe
é, do ponto de vista científico, tão anacrónico como seria absurdo defender, em
pleno século XXI, o geocentrismo
“Uma grande vitória da vida!” – foi com esta expressão triunfal que o
presidente da comissão de ética do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC),
dr. Gonçalo Cordeiro Ferreira, saudou o nascimento, no passado dia 7 de Junho,
de uma criança do sexo masculino, quatro meses depois da morte cerebral da sua
mãe.
Apesar de, a 20 de Fevereiro passado, ter sido declarada a morte cerebral
da mãe, o filho, então inviável, nasceu, já com 32 semanas, na passada terça-feira,
no Hospital de São José. Segundo o presidente da Sociedade Portuguesa de
Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, Dr. Luís Graça, um tal caso é raríssimo,
não só em Portugal como em todo o mundo. Afirmação aliás confirmada pelo
neuropediatra Dr. Miguel Leão, presidente do Conselho Nacional de Ética da
Ordem dos Médicos, que também acompanhou este processo.
Segundo os especialistas, não é fácil manter, em simultâneo, a vida de uma
mãe grávida, cuja morte cerebral já foi clinicamente atestada, e a vida
intrauterina do filho. Obviamente, se a vida da mãe, depois da sua morte
cerebral, não fosse susceptível de ser mantida por via artificial e o filho
nela gerado não fosse viável, o que geralmente só ocorre depois das 24 semanas
de gestação, haveria a lamentar a perda irreparável das duas vidas. Do ponto de
vista ético, nada obriga ao prolongamento artificial de uma vida depois de
verificada a morte cerebral. Mas, quando se trata de uma grávida e o filho
ainda não é viável, é moralmente exigível que se mantenha, por meios
artificiais, a vida da mãe, pelo menos até quando já se possa provocar o
nascimento da criança. Foi o que agora aconteceu, graças a Deus e também à
medicina portuguesa, que está, por isso, de parabéns.
Se as ecografias já tinham demonstrado que o feto tem uma vida própria,
diferente da vida materna, estes casos ainda mais confirmam que a vida da mãe
nunca se confunde com a do seu filho, mesmo quando este ainda não nasceu. Hoje,
defender que a criança já concebida mas ainda não nascida é parte do corpo da
mãe é, do ponto de vista científico, tão anacrónico como seria absurdo
defender, em pleno século XXI, o geocentrismo. Não deixa de ser paradoxal que
os partidos supostamente mais modernos e progressistas, em termos políticos,
sejam, em geral, os mais obscurantistas e retrógrados do ponto de vista
científico e social.
Quando alguns pretendem desonrar a nobilíssima profissão médica, bem como
os demais profissionais da saúde, atribuindo-lhes funções contrárias à vida que
contradizem o juramente hipocrático, é particularmente oportuno saudar este
triunfo, não apenas da ciência clínica, mas também da ética humanista. Para
além do êxito técnico, importa assinalar esta componente humana, que tão
expressivamente se verificou neste caso.
Como o Observador oportunamente noticiou, “os médicos choraram quando o
bebé nasceu”. Por sua vez, a Dra. Ana Escoval, presidente do Conselho de
Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, declarou que, quando se
produziu o tão desejado nascimento da criança, “houve uma carga emocional
fortíssima”, mesmo por parte dos profissionais mais habituados a este tipo de
situações. Também o director clínico do Hospital de São José, Dr. António Sousa
Guerreiro, testemunhou um sentimento que é decerto comum a todos os profissionais
de saúde: “Temos uma profunda tristeza com a morte de alguém e um momento de
alegria sempre que nasce uma criança”.
São muito de saudar os incríveis desenvolvimentos da técnica médica, em
todos os seus âmbitos, mas não é menos importante que esses progressos se
realizem sempre de acordo com os princípios éticos. Com efeito, nem tudo o que
cientificamente se pode fazer deve ser feito, ou seja, é moralmente lícito.
As experiências médicas realizadas nos campos de concentração nazis são um
triste exemplo do que acontece quando a técnica se divorcia da ética:
converte-se, a breve trecho, numa prática monstruosa. Quando a ciência não está
ao serviço da vida e do bem comum, transforma-se facilmente num instrumento de
opressão e de morte. Os próprios profissionais da saúde se podem tornar
autênticos carrascos se, como no regime nazi, trocarem o juramento de
Hipócrates por uma servil obediência às exigências imorais do poder, seja ele
político ou económico.
Não basta que os médicos, enfermeiros e auxiliares sejam bons técnicos. É
preciso, sobretudo, que sejam pessoas de princípios morais. Se o forem, em caso
algum permitirão que os seus conhecimentos sejam usados para outro fim que não
seja a defesa da vida, quer na sua fase inicial, como neste caso, quer na sua
fase terminal, não menos dignas e decerto mais carentes desse apoio técnico e
moral.
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