TESTEMUNHO DE MISERICÓRDIA O missionário D.António Barroso por AMADEU GOMES DE ARAÚJO *
TESTEMUNHO DE MISERICÓRDIA
O
missionário D.António Barroso por AMADEU GOMES DE ARAÚJO *
A chegada a Angola. O Pe.
António José de Sousa Barroso chegou à baía de Luanda no dia 7 de Setembro de
1880, na companhia de D. José Sebastião Neto, novo bispo da diocese de Angola e
Congo e futuro patriarca de Lisboa, e acompanhado também de alguns colegas do
Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim, que com ele iam
colaborar na faina missionária prestes a começar.
Depois de uma preparação de
cerca de quatro meses na capital, o Padre António partiu para o Congo a 20 de
Janeiro de 1881. Já ia nomeado Superior da Missão de São Salvador, e seguiam
com ele dois sacerdotes auxiliares: o Pe. Sebastião José Pereira, que depois
foi bispo de Damão e o Pe. Joaquim de
Jesus d’Anunciação Folga, que veio a adoecer e teve de se retirar.
A preparação em Luanda foi
longa, mas a informação que conseguiram recolher foi escassa. Estranhamente, na
capital não havia informações recentes sobre o Congo nem sobre a melhor forma
de lá chegar. Rumaram a Nóqui, a bordo de uma canhoeira. Ali chegados,
percorreram a pé um caminho estreito, de 150 quilómetros até S. Salvador do
Congo. Arrancaram a 8 de Fevereiro de 1881. Marcha lenta e cheia de
contratempos, avançando umas sete horas por dia. Uma caminhada que durou cinco
luas e cinco sóis, longos e penosos, recordaria mais tarde o jovem missionário
Naquela viagem dramática a
caminho do seu campo de trabalho, o Padre Barroso tinha consciência da
grandiosidade e da responsabilidade da sua missão. Afinal, ele e a sua equipa
iam continuar a grande obra dos Dominicanos (1490), dos Cónegos de São João
Evangelista (1505), dos Jesuítas (1548), dos Carmelitas Descalços (1854), dos
Capuchinhos (1778) e de outro clero que noutras épocas por ali abundara.
A Missão de São Salvador. Uma
vez chegados a S. Salvador e acabada a recepção feita pelas autoridades
indígenas, não encontraram instalações de qualquer espécie onde pudessem
abrigar-se. Era o tempo das chuvas e ficaram instalados em cubatas húmidas,
expostas ao tempo, com água a pingar dos tectos de palha. Artigos e géneros a
deteriorarem-se. Um desconforto total.
As primeiras impressões desta
chegada mandou-as o Padre Barroso ao seu bispo em Luanda. Informa que passaram
os primeiros meses doentes e mal alimentados, sendo ele o médico dos três.
Na área da cidade de S.
Salvador, residiriam então cerca de 600 pessoas. Sabe-se que, em meados do
século xvii, aquela cidade, que
foi a primeira capital de Angola, contou com umas oito ou nove igrejas, além da
catedral. De todas estas construções, à chegada do Padre Barroso, restavam
amontoados de blocos e muito capim a cobri-los.
A reflexão que o Padre Barroso
fez sobre os escombros das igrejas ali desmoronadas perante os seus olhos, foi
determinante para a sua acção futura. Escreveu, a propósito, que «O
cristianismo não penetrou fundo, passou como as chuvas torrenciais, que apenas
humedecem a primeira camada deixando o subsolo ressequido e estéril. É duro
confessá-lo, mas é verdade.» Trabalhar em profundidade, passou então a ser
o seu lema.
De facto, esta Missão de São
Salvador do Congo, fundada em 1491, e que foi a sede da primeira diocese da
África Austral, e também a primitiva capital de Angola, como já referimos,
estava abandonada. O desvio da capital e da sé para Luanda, haviam ditado a sua
decadência. Com a colonização do Brasil, o Congo passara a interessar só mesmo
como fonte de escravos, o que concorreu para agravar a situação. E, com a
expulsão das Ordens religiosas, deu-se o abandono total.
Foi a esta Missão, próspera em
tempos distantes e agora abandonada, que o Padre António Barroso chegou, no dia
13 de Fevereiro de 1881, com a incumbência de a restaurar. Olhou à volta e
arregaçou as mangas. Havia levado consigo de Luanda dois carpinteiros, alguns
quilos de pregos e dois ajudantes africanos. Revelando enorme capacidade de
trabalho e de organização, e alguns conhecimentos que herdara da adolescência
vivida ao lado do pai, carpinteiro, rapidamente construiu uma residência em
madeira e, ao lado desta, com mais
tempo, levantou uma capela, uma escola, um pequeno hospital, um observatório
meteorológico e preparou uma roça para funcionar como escola de trabalhos
agrícolas, e que fornecia vegetais, legumes e frutos para alunos, catecúmenos e
demais pessoal da Missão. As suas observações meteorológicas, sempre pontuais,
passaram a ser muito apreciadas em Luanda.
Como se fez um missionário andante. Intervalando com estas actividades, resolveu
o missionário Barroso recém-chegado, ir a pé conhecer zonas mais
afastadas do centro, para travar relações e para instalar postos avançados de
catequese. Procurou descobrir rastos da acção de antigos missionários cuidando
que lhe permitiriam criar novos centros de evangelização. E assim se fez um
andante de grande traquejo. Punha todo o cuidado na preparação destas viagens.
A tipóia e a rede não entravam na sua lista. Embora meticuloso com os cuidados
a ter nos trópicos, gozava de uma saúde de ferro, nos primeiros tempos do
Congo, o que lhe permitia dormir em cubatas e acamaradar com sobas, comendo e
bebendo com eles.
A primeira viagem a sério foi
ao Bembe. Tentou fazê-la em Junho de 1883, mas só a realizou em Outubro
seguinte, e dela deixou uma descrição meticulosa. Igual minúcia usou no relato
da visita que, dois anos depois, fez ao Zombo, zona impenetrável, hostil.
Em 1885, criou uma segunda
missão regular – a da Madimba, e, no ano seguinte, fundou uma Missão sucursal,
no Soyo. De tudo o que via e ouvia, fazia ponderadas análises e registava
interessantes observações num caderno diário que sempre o acompanhava. Atento
observador dos homens, das instituições e das terras por onde passava, deixou
relatos de muito interesse, que constam dos seus relatórios. As narrativas que
nos legou são preciosas, e revelam um cronista pioneiro da alma africana. As
suas descrições pormenorizadas e atentas permitem-nos reconstituir a dinâmica
da vida social, religiosa e política dos povos do norte de Angola nos finais do
século XIX.
Dos relatórios que então
escreveu, ficaram célebres o de 1881, sobre o estado do Congo, o de 1884, sobre
a viagem ao Bembe, e o de 1886, sobre a viagem ao Zombo.
* Investigador do CEHR, Universidade Católica. Lisboa, 4 de Maio de 2016
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