PAPA FRANCISCO Contra Francisco, contra o Concílio por P. Dr. Anselmo Borges, da smbn*
PAPA FRANCISCO
Contra Francisco, contra o Concílio por P. Dr. Anselmo Borges, da
smbn*
16 DE MARÇO DE 2018 00:00
O Papa Francisco tem
opositores e inimigos? Sim, isso é claro. E é bom que se perceba que opor-se a
Francisco é opor-se ao Concílio Vaticano II. A linha de separação passa pelo
Concílio. Afinal, depois da primavera conciliar, veio um longo inverno, de que muitos,
nomeadamente Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX, se
queixaram. Com Francisco, regressou a primavera. Que se passa então? Dou dois
exemplos.
1. Um dos núcleos da
discórdia, a ponto de Francisco ser atacado por ser débil em teologia e até
herético, é a sua reflexão sobre a possibilidade de, no quadro do devido
discernimento, católicos recasados serem admitidos à comunhão. Mas, afinal, o
próprio Bento XVI, quando era apenas professor Joseph Ratzinger, escreveu, em
1972, um texto nessa direcção. Sim, o casamento é indissolúvel, mas, cito,
quando "um primeiro casamento se rompeu há já algum tempo" e de modo
irreparável, e quando "um segundo enlace se vem manifestando como uma
realidade moral e está presidido pela fé, especialmente no que se refere à
educação dos filhos (de tal maneira que a destruição deste segundo casamento
acabaria por destroçar uma realidade moral e provocaria danos morais
irreparáveis), neste caso - mediante uma via extrajudicial -, contando com o
parecer do pároco e dos membros da comunidade, dever-se-ia consentir a
aproximação da comunhão aos que assim vivem".
2. Entre os maiores
opositores a Francisco está o cardeal guineense (Guiné-Conacri) Robert Sarah,
prefeito da Congregação para a Liturgia. O Papa emérito Bento XVI até escreveu
um prefácio elogioso para a sua obra A Força do Silêncio - Contra a Ditadura do
Barulho. Esse livro, cito, "ensina-nos o silêncio: o permanecer em
silêncio com Jesus, o verdadeiro silêncio interior, ajudando-nos assim precisamente
a compreender a palavra do Senhor de um modo diferente (...). É esta a base que
lhe permite reconhecer os perigos que ameaçam continuamente a vida espiritual,
mesmo a dos padres e a dos bispos, ameaçando assim a própria Igreja, na qual
não raro ocupa lugar uma certa verbosidade em que se dissolve a grandeza da
palavra".
Quem se atreveria a
pôr em causa e a não louvar o mérito do apelo ao silêncio? Todos estaremos
gratos a Sarah, mesmo os não crentes, pois das necessidades maiores nesta
sociedade da ditadura do barulho é precisamente o cultivo do silêncio, lá onde
se ouve o melhor: o silêncio que fala e no qual se acendem todas as palavras e
atitudes que dão calor e sentido verdadeiro à existência.
Não é nisto que está o
diferendo. O Papa Francisco admoestou-o publicamente por sugerir o regresso à
missa em latim, com o celebrante de costas para o povo. Lembrou-lhe que Deus
está voltado para todos os lados. E a que propósito o latim, como se Deus, digo
eu, não entendesse as outras línguas? Mais uma vez, o terrível perigo do
clericalismo. De facto, só os padres sabem latim e só eles, de costas, estariam
em autêntico contacto com Deus...
Mais recentemente,
Sarah arremeteu contra os católicos que legitimamente apresentam a mão para a
comunhão: "É um ataque diabólico à eucaristia", diz. No prefácio ao
livro do padre italiano Federico Bortoli, A Distribuição da Comunhão na Mão,
afirma que a comunhão na mão é uma "falta de respeito" ao Santíssimo,
acrescentando que "o ataque malvado mais insidioso consiste em procurar extinguir
a fé na eucaristia semeando erros e favorecendo uma forma inadequada de
recebê-lo" e que "a guerra entre o arcanjo Miguel e os seus anjos,
por um lado, e Lúcifer, por outro, continua hoje nos corações dos fiéis: o
objectivo de Satanás é o sacrifício da missa e a presença real de Jesus na
hóstia consagrada." Os fiéis deverão de novo receber o Senhor na boca:
"Porquê esta atitude de falta de submissão aos sinais de Deus? Recebê-lo
de joelhos e na língua é muito mais adequado para o próprio sacramento."
Embora reconheça algumas "boas iniciativas" do Concílio quanto à
participação activa dos fiéis, denuncia: "Não podemos fechar os olhos ao
desastre, à devastação e ao cisma que os promotores modernos de uma liturgia
viva causaram ao remodelar a liturgia da Igreja de acordo com as suas
ideias." E, num ataque àqueles que consideram que o Concílio foi "uma
verdadeira primavera na Igreja". "No entanto, um número cada vez
maior de líderes eclesiais consideram esta primavera como uma recusa, uma
renúncia à sua herança milenar."
Eu concordo que é
necessário dar dignidade à celebração eucarística. Mas não é farisaísmo a
advertência de Sarah? Porventura é a língua mais digna do que a mão? Sobretudo,
não é aos bebés que damos de comer na boca? Ora, não é de comunidades cristãs
adultas que precisamos? Ou queremos cristãos menorizados e infantilizados?
Mais grave: não há nas
posições de Sarah o pressuposto subtil, mas errado, de que na Igreja o núcleo
são as celebrações e não a vida? Afinal, não é nesse pressuposto do primado das
celebrações que assenta aquela declaração desgraçada de muitos que se dizem
"católicos, mas não praticantes"? Pergunta-se: mas praticam na vida o
Evangelho e a sua exigência de verdade, de justiça, de cumprimento do dever, de
não corromper nem ser corrupto, de lutar por um mundo em que todos tenham o
mínimo que lhes permita realizar a sua dignidade humana como Cristo mandou?
O que é verdade é que,
contra o que insinua Sarah, na hierarquia autêntica do ser cristão primeiro
está a fé viva no Deus de Jesus, que é Pai e Mãe de todos, com todas as
consequências. Depois, só depois, é que vem a celebração: esta vida, a vida
cristã, que é a vida quotidiana, familiar, profissional, a vida dos negócios e
da política, iluminada pela fé a caminho da plenitude do Reino de Deus,
celebra-se em eucaristia. Na fraternidade, na alegria, na beleza e recebendo
mais Vida para a vida. * in DN 16.03.18
(Opinião)
Por decisão pessoal, o
autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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