EUTANÁSIA Legalização da eutanásia? Comigo não contem!
EUTANÁSIA
Legalização da eutanásia? Comigo não contem!
Mai 26, 2018 - 0:52 Ecclesia
Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa
Na
próxima semana, os deputados portugueses vão decidir sobre a legalização, ou
não, da prática da eutanásia no nosso país. A minha posição está expressa no
título deste texto. Reconheço que não se trata de um tema fácil. Porém,
sinto-me no dever de partilhar algumas razões da minha posição. Declaro, desde
já, que o meu não à eutanásia em nada tem a ver com a minha opção religiosa. O
sentido da dignidade da vida e da morte transcende religiões, sistemas
filosóficos ou ideológicos. Sendo realidades radicadas no direito natural que,
por serem intrínsecas à existência humana, são intocáveis.
Ninguém
pediu para nascer. Só por situações erróneas, é que a vida não resulta de um
ato de amor. É, por isso, uma dádiva. Sei, contudo, que muitas vidas são fruto
de atitudes hediondas, mas se a progenitora ou progenitor, bem como a criança
nascida, forem envoltos em compreensão e apoio amorosos poderão superar muitos
dos sofrimentos causados por um começo monstruoso. Há também muitos seres
humanos que tendo nascido em consequência de uma relação de amor, por
circunstâncias muito variadas e complexas, são frequentemente confrontados com
a dor e o sofrimento. Para a dor, as ciências médicas, felizmente, têm avançado
muito na descoberta de soluções para a atenuar ou superar. Quanto ao
sofrimento, o remédio mais eficaz é a presença amiga de quem está, ou se faz,
próximo, levando escuta, compreensão, compaixão (não comiseração, mas
capacidade de sofrer com os outros), ternura, ânimo, procura de soluções.
Quando as angústias resultam de injustiças estruturais, a superação das mesmas
está em medidas de governação que garantam a defesa e o cumprimento dos
direitos humanos fundamentais.
Estas
minhas convicções estão alicerçadas, sobretudo, em experiências vividas. Na
última década, tive dois annus horribilis. Adoeci gravemente. A
morte chegou a fazer-se anunciar. Foram muitos e exigentes os atos clínicos a
que fui submetido, com as inerentes dores físicas. Não me lembro da intensidade
de alguma. Bastava dizer que sentia dor e aparecia o analgésico adequado. O que
recordo, com eterna gratidão, é a dedicação extremosa dos colaboradores do
Hospital de São Bernardo; das auxiliares de ação médica, de enfermeiras e
enfermeiros que passaram noites à minha cabeceira; das médicas e médicos que arriscaram
tudo para me libertarem da morte e me alimentarem a esperança da cura. Devo a
minha sobrevivência a todos os que, nos serviços de cirurgia, cuidados
intensivos, urologia e oncologia me olharam e sorriram com ternura, me deram
palavras encorajadoras. Recordo ainda, com igual gratidão, a presença sofrida
da família, a visita reconfortante de muitos amigos e conhecidos, o monte de
cartas de pessoas que, vivendo longe, não deixaram de se fazer presentes
através daquelas missivas carregadas de afabilidades.
É
verdade que tenho encontrado muitas pessoas que me têm dito algo do género:
“Para ter esta vida seria melhor morrer; Assim, não vale a pena viver; Ando cá
a mais; Sinto que sou estorvo; Já não aguento tanta dor…”. Estes são os que me
falam da falta de trabalho, dos meses, e até anos, que estão a aguardar por uma
consulta ou intervenção cirúrgica, que falam do abandono dos filhos que não os
visitam em suas casas ou nos lares para onde os arrumaram; das despesas mais
elementares que não conseguem suportar para viverem com o mínimo de dignidade;
das suspeições infundadas e calúnias eutanásicas. Enfim, os excluídos, os
explorados, os “resíduos”, as “sobras”, os descartados desta sociedade.
Senhores
deputados, os portugueses não vos deram mandato para legislarem sobre a
eutanásia. Em nenhum dos programas eleitorais dos vossos partidos, com exceção
do PAN, foi inscrita esta proposta. Não me parece, por isso, que tenham
legitimidade democrática para tratar, no Parlamento, esta problemática.
Por
favor, utilizem o mandato que vos foi dado para a criação de políticas
legislativas que gerem mais postos de trabalho e com dignidade; que tornem mais
eficaz o Serviço Nacional de Saúde de modo a que todos tenham acesso a cuidados
de saúde necessários e atempados; que a ninguém falte uma habitação condigna;
que se acabe com a pobreza em que vivem mais de dois milhões de portugueses;
aumente a corresponsabilidade cidadã, expressa no reconhecimento e valorização
do voluntariado. Sei que tudo isto exigirá mais de vós do que levantarem-se de
uma cadeira do hemiciclo para votarem a despenalização da eutanásia.
Ficarei
muito triste se vierdes a unir-vos por causa deste problema e nunca terdes sido
capazes de responder a apelos de compromisso de regime para viabilizar soluções
que tanto sofrimento têm causado a muitos concidadãos.
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