Papa FRANCISCO Problemas… Bento XVI (entrevista a EL PAÍS"
Papa FRANCISCO
Problemas… Bento XVI
DE ENTREVISTA A EL PAÍS:
…
O papa Francisco, durante a
entrevista. L'OSSERVATORE ROMANO
Na sexta-feira, enquanto Donald Trump tomava
posse em Washington, o papa Francisco concedia no Vaticano uma
longa entrevista ao EL PAÍS....
Foto: L'OSSERVATORE ROMANO |
Durante uma hora e 15 minutos,
num aposento simples da Casa de Santa Marta, onde mora, Jorge Mario Bergoglio,
que nasceu em Buenos Aires há
oito décadas e caminha rumo ao quarto ano de pontificado, afirmou que “na
Igreja há santos e pecadores, decentes e corruptos”, mas que se preocupa
sobretudo com “uma Igreja anestesiada” pelo mundanismo, distante dos problemas
das pessoas.
Às vezes com um típico humor
portenho, Francisco demonstra estar ciente não só do que ocorre dentro do
Vaticano, mas na fronteira sul da Espanha e nos bairros carentes de Roma. Diz
que adoraria ir à China (“quando me convidarem”) e que, embora de vez em quando
também dê seus “tropeços”, sua única revolução é a do Evangelho.
O drama dos refugiados marcou-o
fortemente (“aquele homem chorava e chorava em meu ombro, com o salva-vidas na
mão, porque não tinha conseguido salvar uma menina de quatro anos”), assim como
as visitas às mulheres escravizadas pelas máfias da prostituição na Itália.
Ainda não se sabe se será Papa até o fim da vida ou se optará pelo caminho
de Bento XVI. Admite
que, às vezes, sentiu-se usado por seus compatriotas argentinos.
Pergunta.
Santidade, o que resta, depois de quase quatro anos no Vaticano, daquele padre
das ruas, que chegou de Buenos Aires a Roma com a passagem de volta no bolso?
Resposta. Que
continua sendo das ruas. Porque assim posso sair na rua para cumprimentar as
pessoas nas audiências, ou quando viajo... Minha personalidade não mudou. Não
estou dizendo que me propus a isso: foi espontâneo. Não, aqui não é preciso
mudar. Mudar é artificial. Mudar aos 76 anos é se maquiar. Não posso fazer tudo
o que quero lá fora, mas a alma das ruas permanece, e vocês a veem.
P. Nos
últimos dias de pontificado, Bento XVI disse sobre seu último período à frente
da Igreja: “As águas desciam agitadas, e Deus parecia estar dormindo”. Também
sentiu essa solidão? A cúpula da Igreja estava dormindo em relação aos novos e
antigos problemas das pessoas?
R. Eu,
dentro da hierarquia da Igreja, ou dos agentes pastorais da Igreja (bispos,
padres, freiras, leigos...), tenho mais medo dos anestesiados do que dos que
estão dormindo. Daqueles que se anestesiam com o mundanismo. Então, negociam
com o mundanismo. E isso me preocupa... Que... Sim, tudo está quieto, está
tranquilo, se as coisas estão bem... ordem demais. Quando se lê os Atos
dos Apóstolos, as Epístolas de São Paulo, lá havia confusão, havia
problemas, as pessoas se movimentavam. Havia movimento e havia contato com as
pessoas. O anestesiado não tem contato com as pessoas. Defende-se da realidade.
Está anestesiado. E hoje em dia existem tantas maneiras para se anestesiar da
vida cotidiana, não? E, talvez, a doença mais perigosa que um pastor possa ter
venha da anestesia, e é o clericalismo. Eu aqui, e as pessoas lá. Você é o
pastor dessas pessoas! Se não cuidar dessas pessoas e deixar de cuidar dessas
pessoas, feche a porta e se aposente.
P.
E há uma parte da Igreja anestesiada?
R. Todos
temos perigos. É um perigo, é uma tentação séria. É mais fácil estar
anestesiado.
R.
Por isso, mais do que com os que estão dormindo, essa é a anestesia que o
espírito de mundanismo proporciona. Do mundanismo espiritual. Nesse sentido,
chama minha atenção que Jesus, na Última Ceia, quando faz essa longa oração ao
Pai pelos discípulos, não pede a eles “observem o quinto mandamento, que não
matem; o sétimo mandamento, que não roubem”. Não. Tomem cuidado com o
mundanismo; tomem cuidado contra o mundo. O que anestesia é o espírito do
mundo. E, então, o pastor se torna um funcionário público. E isso é o
clericalismo, que, na minha opinião, é o pior mal que a Igreja pode ter hoje.
P.
Os problemas enfrentados por Bento XVI no final de seu pontificado e que
estavam naquela caixa branca que ele lhe entregou em Castel Gandolfo. O que
havia lá dentro?
R. A
normalidade da vida da Igreja: santos e pecadores, decentes e corruptos. Estava
tudo ali! Havia gente que tinha sido interrogada e está limpa, trabalhadores...
Porque aqui na Cúria há santos, viu? Há santos. Gosto de dizer isso. Porque
fala-se com facilidade da corrupção da Cúria. Há pessoas corruptas na Cúria.
Mas também muitos santos. Homens que passaram a vida inteira servindo às
pessoas de maneira anônima, atrás de uma mesa, em um diálogo ou em um
escritório para conseguir... Ou seja, dentro dela existem santos e pecadores.
Naquele dia, o que mais me impressionou foi a memória do santo Bento. Que me
disse: “Olha, aqui estão as atas, na caixa”. Um envelope com o dobro deste
tamanho: “Aqui está a sentença, de todos os personagens.” E aqui, “fulano,
tanto”. Tudo de cor! Uma memória extraordinária. E a conserva, a conserva.
P.
Ele se encontra bem de saúde?
R. Daqui
para cima, perfeito. O problema são as pernas. Caminha com ajuda. Tem uma
memória de elefante, até as nuances. Então digo uma coisa, e me responde: “Não
foi naquele ano, foi no ano tal.”
P.
Quais são suas maiores preocupações com relação à Igreja e, em geral, com a
situação mundial?
R. Com
relação à Igreja, eu diria que a Igreja não deixe de estar próxima das pessoas.
Que procure sempre estar perto. Uma Igreja que não é próxima não é Igreja. É
uma boa ONG. Ou uma boa organização piedosa de pessoas boas que fazem
beneficência, se reúnem para tomar chá e fazer caridade. Mas o que identifica a
Igreja é a proximidade: sermos irmãos próximos. Porque a Igreja somos todos.
Então, o problema que sempre existe na Igreja é que não haja proximidade. E
proximidade significa tocar, tocar no próximo a carne de Cristo. É curioso:
quando Cristo nos diz o protocolo com o qual seremos julgados, que é o capítulo
25 de Mateus, é sempre tocar o próximo. “Tive fome, estive preso, estive
doente...”. Sempre a proximidade para ver a necessidade do próximo. Que não é
só a beneficência. É muito mais do que isso. Depois, com relação ao mundo,
minha preocupação é a guerra. Estamos na Terceira Guerra Mundial em pedacinhos.
E, ultimamente, já se fala de uma possível guerra nuclear como se fosse um jogo
de cartas. E isso é o que mais me preocupa. Do mundo, preocupa-me a
desproporção econômica: que um pequeno grupo da humanidade tenha mais de 80% da
riqueza, com o que isso significa na economia líquida, onde no centro do
sistema econômico está o deus dinheiro e não o homem e a mulher, o humano!
Assim, cria-se essa cultura de que tudo é descartável. de EL PAÍS
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