NATAL Natal: a revolução por Armando Soares*

NATAL
Natal: a revolução por Armando Soares*
19.12.2015

Jesus Cristo é figura "decisiva, determinante" da História da Humanidade. Disse-o um dos grandes filósofos do século XX, Karl Jaspers. A pergunta é: porquê?
Crentes ou não, cristãos ou não, têm de reconhecer a história dos efeitos ou das repercussões, assombrosamente humana e positiva, de Jesus na História. Por exemplo, o próprio conceito de "pessoa" veio ao mundo por influência da tentativa de compreender a pessoa de Jesus. Foi em solo de base cristã que se deram as grandes Declarações dos Direitos Humanos.
Hegel, não crente, afirmou que foi pelo cristianismo que se tomou consciência de que todos são livres. Ernst Bloch, marxista heterodoxo e ateu, escreveu que é ao cristianismo que se deve a exigência de que nenhum ser humano pode ser tratado como "gado". Jürgen Habermas, agnóstico, afirma que a democracia, com "um homem um voto", é a transposição para a política da afirmação cristã de que Deus se relaciona pessoalmente com cada homem e mulher. Frederico Lourenço – português e que se confessa ex-católico, agnóstico, escreve: "Não tenho nenhum problema em afirmar que, pessoalmente, considero Jesus de Nazaré a figura mais admirável de toda a história da Humanidade", Jesus foi "o homem mais extraordinário que alguma vez viveu".

Evidentemente, a Wirkungsgeschichte, a história dos efeitos de Jesus na História, tem a sua base na história real de Jesus, no que ele disse e fez, na revolução que operou.
Esta revolução é a revolução da sua compreensão de Deus. Jesus veio dizer, por palavras e obras, a sua experiência radical de Deus: Deus é amor incondicional, Abbá, Paizinho querido, que ama a todos, a começar por aqueles e aquelas que não são amados, os mais pobres, abandonados, humilhados. Assim, uma das palavras mais revolucionárias da história das religiões é esta: "O homem não foi feito para o sábado, mas o sábado para o homem", o que significa que mesmo as leis consideradas sagradas só o são se e na medida em que estiverem ao serviço do ser humano, da sua dignidade, liberdade, felicidade. Jesus antepôs a justiça e o amor ao culto: "Ide aprender: Deus quer misericórdia e não sacrifícios."
Por isso, os primeiros a serem verberados foram os profissionais da religião, que exploravam o povo em nome de Deus. E pôs-se ao lado das crianças, que não tinham relevância: "Deixai vir a mim as criancinhas, pois dos que são como elas é o Reino de Deus" - contra insinuações insidiosas quanto a estas palavras, acrescente-se que Jesus também disse: "Ai de quem escandalizar uma criança. Mais valia atar-lhe uma mó de moinho ao pescoço e deitá-lo ao mar." As mulheres têm razões para estar de mal com a Igreja institucional, mas devem saber que Jesus constitui um marco histórico na história da sua emancipação: superando proibições, teve discípulos e discípulas.
E as palavras do chamado Juízo Final! Ali se diz que o que determina o julgamento não são actos religiosos, mas o que se faz aos outros, mesmo não sabendo que é a Deus que se faz: "Tive fome, sede, estava nu, na cadeia, no hospital, e destes-me de comer, de beber, vestistes-me, fostes ver-me..." Em ordem à salvação, nada se pergunta de confessional, tudo se centra nas respostas práticas às dificuldades das pessoas, independentemente da sua cor, etnia, sexo, de serem religiosas ou não.
Jesus não quis tomar o poder político: "Vim para servir, não para ser servido", "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Mas foi mandado crucificar como blasfemo e subversivo social e político. Pilatos, representante do poder imperial de Roma, que o condenou, não podia imaginar que aquele desgraçado seria figura "decisiva, determinante" da História. Deus confirmou a sua vida e a sua morte para dar testemunho da verdade e do amor: na morte, Jesus não encontrou o nada, mas a plenitude da vida em Deus, que é amor.


Custa-me a entender como é que os europeus parecem menosprezar a sua herança cristã, como indicam, por exemplo, a proibição de um anúncio, porque contém o Pai Nosso, ou a política de acabar com sinais cristãos da nossa cultura, como a presença de presépios em espaços públicos. Seja como for, é Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX - tenho a honra de ter sido seu aluno -, que tem razão, quando escreveu: "Quando dizemos "é Natal" estamos a dizer: "Deus disse ao mundo a sua palavra última, a sua mais profunda e bela palavra numa Palavra feita carne". E esta Palavra significa: amo-vos, a ti, mundo, e a vós, seres humanos." Boas Festas!  *
FONTE: DN, 19,12.15 opinião Natal: a revolução por ANSELMO BORGES,

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