SMBN Entrevista Padre Marco Casquilho, missionário no Japão Os católicos japoneses são discretos, mas procuram evangelizar com o seu testemunho de vida
SMBN
ENTREVISTA
Padre Marco Casquilho, missionário no Japão
Os católicos japoneses são
discretos, mas procuram evangelizar com o seu testemunho de vida
Marco Casquilho é natural de Vila Nova da Barquinha, na Diocese de Santarém.
A sua história, como a de todos aqueles
que seguem a Cristo é cheia de surpresas, de aventuras e de amizades em Deus.
Este jovem sacerdote, nos seus (movimentados!) 39 anos de vida, foi estudante
em Coimbra, conheceu os missionários da Boa Nova em Fátima, foi professor de
filosofia em Pombal e simultaneamente estudou Teologia no Porto. E hoje é
missionário da Boa Nova no Japão.
Entrevistado por Hugo Anes
Voz da Missão – Como é que o
Padre Marco Casquilho se tornou missionário no Japão?
Pe. Marco Casquilho – A vinda para a Arquidiocese de Osaka, no Japão, foi uma escolha pessoal que contou com o apoio dos membros da Sociedade Missionária. Foi a concretização de um sonho antigo. Quando era criança recebi do meu pai um pequeno livro que me fascinou: “Japão, terra dos samurais e robots”. E este desejo de conhecer o Japão foi crescendo gradualmente. Também no tempo do Seminário recordo-me dos artigos sobre o Japão, escritos pelo nosso Padre Adelino Ascenso, para a Revista Boa Nova. E da boa impressão que tive do Padre Nuno Lima, um jovem energético e inteligente. Para com eles tenho uma enorme dívida de gratidão.
Após a minha ordenação sacerdotal em 13 de dezembro de 2009, o Sr. Bispo D. Manuel Pelino Domingos cedeu-me para o serviço ad gentes na Sociedade Missionária da Boa Nova. O Superior Geral de então, o Padre. Albino dos Anjos, respondeu positivamente ao meu pedido e nomeou-me de imediato para o Japão.
PP. Adelino Ascenso, Superior Geral, e Marco Casquilho |
Pe. Marco Casquilho – A vinda para a Arquidiocese de Osaka, no Japão, foi uma escolha pessoal que contou com o apoio dos membros da Sociedade Missionária. Foi a concretização de um sonho antigo. Quando era criança recebi do meu pai um pequeno livro que me fascinou: “Japão, terra dos samurais e robots”. E este desejo de conhecer o Japão foi crescendo gradualmente. Também no tempo do Seminário recordo-me dos artigos sobre o Japão, escritos pelo nosso Padre Adelino Ascenso, para a Revista Boa Nova. E da boa impressão que tive do Padre Nuno Lima, um jovem energético e inteligente. Para com eles tenho uma enorme dívida de gratidão.
Após a minha ordenação sacerdotal em 13 de dezembro de 2009, o Sr. Bispo D. Manuel Pelino Domingos cedeu-me para o serviço ad gentes na Sociedade Missionária da Boa Nova. O Superior Geral de então, o Padre. Albino dos Anjos, respondeu positivamente ao meu pedido e nomeou-me de imediato para o Japão.
Voz da Missão– Quando foi enviado para o Japão? Teve que aprender a
língua e a cultura japonesa? E como foi essa aprendizagem?
Pe. Marco Casquilho – Cheguei ao Japão no dia 16 de março de 2010.
Não tive qualquer preparação prévia, em Portugal, no domínio da língua e cultura
japonesa e por isso a adaptação inicial foi extremamente difícil. Tive que
estudar dois anos a língua japonesa. Inicialmente comecei a estudar numa escola,
a YMCA, mas aí parecia um recruta militar, havia um grande número de
desistências, os professores pareciam “baratas
tontas” a correr de um lado para o
outro.
Decidi então mudar de escola,
para a chamada ECC, embora exigente, tinha um sistema de acompanhamento
personalizado dos alunos. Tinhamos apenas um professor por semestre, que se
dedicava a ensinar japonês de acordo com as necessidades da turma e que
procurava conhecer as necessidades de todos os alunos.
Outro acontecimento importante foi a participação num Curso de História e Cultura Japonesa em Shinmeisan, com o Padre Franco Sottocornola - agradeço muito à SMBN o poder ter participado neste curso.
Outro acontecimento importante foi a participação num Curso de História e Cultura Japonesa em Shinmeisan, com o Padre Franco Sottocornola - agradeço muito à SMBN o poder ter participado neste curso.
No âmbito pastoral, e após os
estudos da língua e cultura japonesa foi muito enriquecedor o tempo que vivi e
trabalhei com o Padre Umehara, na Igreja de Shukugawa
V. M. - No Japão, qual é a sua
missão?
Pe. M.C. – Trabalho em
três das paróquias mais pobres da Arquidiocese de Osaka: Sennan, Misaki e
Kinokawa. Somos uma equipa pastoral missionária de três membros: eu, um padre vietnamita
(naturalizado japonês) e uma irmã japonesa. Colaboro com a pastoral brasileira e latina-americana. Recentemente fui também convidado para leccionar português, duas horas por semana, na Universidade de Quioto. A minha missão consiste além da administração dos sacramentos em ir ao encontro das pessoas. Recebo muitos fiéis japoneses aqui em casa e vou visitar imigrantes, sem-abrigo e presos. Procuro igualmente participar nos encontros inter-religiosos e ecuménicos.
Kinokawa. Somos uma equipa pastoral missionária de três membros: eu, um padre vietnamita
(naturalizado japonês) e uma irmã japonesa. Colaboro com a pastoral brasileira e latina-americana. Recentemente fui também convidado para leccionar português, duas horas por semana, na Universidade de Quioto. A minha missão consiste além da administração dos sacramentos em ir ao encontro das pessoas. Recebo muitos fiéis japoneses aqui em casa e vou visitar imigrantes, sem-abrigo e presos. Procuro igualmente participar nos encontros inter-religiosos e ecuménicos.
V.M. - Como é a Igreja Católica no Japão? Como vivem
e testemunham os japoneses a fé em Cristo?
Pe. M. C. – No Japão o
cristianismo é uma religião minoritária. Existem apenas 1% de cristãos e 0,4%
de católicos. Muitos católicos são casados com não-cristãos. A fé é vivida em
comunidades católicas coesas, mas na sociedade procuram ser discretos. Não
fazem proselitismo e procuram evangelizar não com palavras, mas com o seu
testemunho de vida. Mais do que pregar o Evangelho empenham-se em causas
sociais: ajudar os mais pobres, os marginalizados, as vitimas de conflitos
militares ou terramotos...
V. M. – Que religiões existem no Japão? E em que acreditam maioritariamente os
japoneses?
Pe. M. C. – Os
japoneses são um povo muito piedoso. Respeitam os espaços sagrados e rezam de
mãos juntas, no peito. Contemplam o divino na natureza. Acreditam que todos
podem chegar à iluminação, mediante um caminho de meditação ou oração. Há
sinais do sagrado nas cidades, nas aldeias, nos bosques, nos montes, junto aos
rios e mares. Existem imensos templos xintoistas e budistas...
Porém, à semelhança de nós, portugueses, poucos se identificam com uma religião institucionalizada. Tal como em Portugal existem muitas pessoas baptizados que só entram na Igreja para um funeral ou casamento, também no Japão muitos só se deslocam ao templo xintoísta para a festa dos sete-cinco-três anos ou para a celebração do ano novo. E outros só entram num tempo budista para um velório ou funeral. As culturas são diferentes, mas o ser humano, na sua essência, não se distingue muito.
Porém, à semelhança de nós, portugueses, poucos se identificam com uma religião institucionalizada. Tal como em Portugal existem muitas pessoas baptizados que só entram na Igreja para um funeral ou casamento, também no Japão muitos só se deslocam ao templo xintoísta para a festa dos sete-cinco-três anos ou para a celebração do ano novo. E outros só entram num tempo budista para um velório ou funeral. As culturas são diferentes, mas o ser humano, na sua essência, não se distingue muito.
V. M. - Como vê a sociedade
japonesa a Igreja Católica? Que opinião têm sobre Jesus Cristo?
Pe. M. C. – A Igreja Católica não tem grande
protagonismo na sociedade nipónica. Os senhores bispos tentam envolver-se em
causas como a oposição às centrais nucleares, o combate à discriminação social
e o apoio à imigração... Mas são pouco escutados. A sua influência restringe-se quase
exclusivamente aos católicos. Não obstante, já existiu um primeiro ministro
católico na história da democracia japonesa.
Quanto ao ensino da história
do cristianismo nas escolas japonesas deixa muito a desejar. Os professores
mostram a religião cristã como algo exterior à cultura ou sociedade japonesa e
os missionários como invasores ao serviço de governos estrangeiros. Além disso,
muitos japoneses continuam a pensar que S. Francisco Xavier era português.
Jesus Cristo é uma figura
quase desconhecida para os japoneses. Provavelmente, conhecem apenas o que vem
nos filmes de Hollywood. A ressurreição é um conceito que poucos conseguem
entender com clareza. Poucos se preocupam com a vida após a morte e os que se
inquietam com esse problema acreditam mais na reencarnação.
V. M. - Que diálogo existe entre as várias religiões?
Pe. M. C. – Existe um bom diálogo inter-religioso e
ecuménico no Japão. Isto verifica-se não só no plano institucional, com
encontros regulares, mas também no âmbito das relações inter-pessoais (amizade
entre padres, pastores, bonzos...)
Em caixa:
Silence, filme do realizador norte-americano Martin Scorcese
V. M. – No próximo dia 19 de janeiro estreia em Portugal o filme
“Silence”, que retrata a missionação católica no Japão do século XVII. Que
Japão era este? E que Japão existe hoje, no que diz respeito à fé e à liberdade
religiosa?
Pe. M. C. – Os
jesuítas portugueses que chegaram à Ásia no século XVI fizeram um trabalho
fantástico de evangelização no Japão e China. O problema foi quando
franciscanos e dominicanos espanhóis começaram a vir das Filipinas. Aí
começaram os conflitos entre missionários. E a situação piorou com a chegada
dos protestantes holandeses. O problema é que trouxemos para o Japão os
conflitos religiosos da Europa, um cristianismo nacionalista.
Na Europa, a história do
cristianismo foi sempre narrada pelos vencedores. Por isso, exaltamos o sangue
dos mártires. Mas pouco sabemos dos que, nas perseguições, conservaram e
transmitiram a sua fé na clandestinidade.
O filme Silence, do realizador norte-americano Martin Scorcese, baseado no
livro do escritor japonês Shuzaku Endo, apresenta a história dos vencidos. Será
que esses cobardes que viveram a fé na clandestinidade ou esses que apostataram
publicamente (mas não perderam a fé) se podem definir cristãos? Um padre que
renuncia ao catolicismo para que os seus fiéis não sejam torturados ou mortos
pode ser considerado apóstata? São dúvidas que dissipam qualquer certeza...
O que choca mais não é o grito
dos martirizados, mas o silêncio. Esse silêncio que a modernidade europeia
recusou. Já viram quanto custa a um português ou a um espanhol manterem-se
calados? No Japão, o silêncio é um valor apreciado. Especialmente entre os
homens.
Nós, missionários demoramos anos
a aprender a falar a língua japonesa e quando começamos a falar aprendemos que
nos devemos calar. Tal como os monges da Cartuxa ou os Trapistas podiamos dizer
que no silêncio reside uma centelha do divino. Deus é Palavra que fala no silêncio.
Ou, ainda mais, poderiamos falar num silêncio misericordioso de Deus, que se
senta ao nosso lado, para nos confortar na dor e sofrimento.
V. M. – O que mais gosta no
Japão? E qual é o maior desafio que aí enfrenta?
Pe. M. C. – Gosto de ser
estrangeiro. Como frase para as pagelas da Ordenação Presbiteral escolhi:
“Diante de Ti, Senhor, somos peregrinos e estrangeiros como os nossos pais” (1
Crónicas 29:15 ).
Ser estrangeiro no Japão é um desafio quotidiano. Por mais que nos
esforcemos nunca seremos considerados japoneses. Mas aprendemos a amar este
povo e esta cultura, como estrangeiros e peregrinos. Quando sai de África, nos
discursos de despedida, muitos amigos moçambicanos diziam: “Foste preto como
nós”. No Japão dificilmente escutaremos algo similar.
(1508)
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