O resgate da memória Por D. Manuel Linda, bispo do Porto
MISSSIONAÇÃO
PORTUGUESA
In BOA
NOVA atualidade missionária, nv.2019
O resgate da memória
Por D. Manuel Linda, bispo do Porto
Pode existir, mas em Portugal, não conheço, qualquer
monumento à missionação, enquanto tal. Na individualidade da sua grandeza, há
glorificações de São Francisco Xavier e de São João de Brito, dos bispos D.
António Barroso e D. Sebastião Soares de Resende, dos Padres António Vieira e
José de Anchieta, etc. Mas, na coletividade da
obra que os uniu no espaço e no tempo, creio
nunca se ter erigido algo que recorde os que partiram em missão.
Por isso, este registo que aqui nos congrega
impunha-se como dever de justiça. Ainda que nele somente constem os nomes dos “Padres
de Cernache”, formados no velho Colégio das Missões Ultramarinas, na prática e
na intenção, constitui uma homenagem a toda a missionação portuguesa, com mais
de quinhentos anos de história, de alguma forma mimetizada na figura central: o
Venerável D. António Barroso. Veio tarde, mas é sempre bem-vindo. Por essa demora em chegar, talvez até seja mais apreciado.
Este monumento traz-nos à memória a história
tensa entre libertação, salvação e inculturação.
Todos os missionários juntaram ao seu curriculum
uma notável obra de libertação: seja das superstições que escravizam e impedem
que a pessoa se transcenda, seja das condições sociais e económicas
degradantes.
Todos fizeram do anúncio da salvação integral a
única razão de trocarem a sua zona de conforto pelo desconhecido e tenebroso. E,
com mais ou menos êxito, com mais ou menos ousadia, todos se inseriram na
cultura que adotaram como sua para, a partir dela, exprimirem os grandes
conteúdos do Evangelho.
Tudo isto fez dos missionários os maiores
fomentadores da verdadeira cultura da globalização e expressões sublimes do
génio humano: fundaram cidades e imprimiram
gramáticas e dicionários, abriram rotas de
ligação e desenharam mapas, ensinaram
matemática e intercambiaram plantas e animais,
humanizaram o coração de régulos e imperadores e edificaram dispensários e hospitais,
escolas e universidades, plantações e represas de água.
Mas, fundamentalmente, construíram: construíram
o homem novo, exemplo de Jesus Cristo,
na verdade e na liberdade, na justiça e na fraternidade. Curvo-me perante eles.
Ah, se o mundo se desse conta disso!..
É preciso resgatar do esquecimento todas estas
dimensões, trazer a lume todas estas realizações, dar voz a quantos, por estas
razões, sofreram a solidão, a doença, o
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martírio e a própria morte. E está na hora de
dar a palavra aos testemunhos eloquentes destes sábios, porque podem discursar
a respeito do que viram e experimentaram, e não do que terceiros lhes
referiram.
Para mais, são profetas corajosos que se
encontram no sentido da história: são artífices de um mundo unido, qual pequena
aldeia, e não de um pequeno círculo fraturado e tribalizado, como nos
princípios da história. Um mundo familiar ou de irmãos, sob a comum paternidade
divina.
Constitua este monumento um duplo desafio: para
a Igreja que está em Portugal, a oportunidade do reforço de um anúncio de esperança,
verdadeiro crescimento no Espírito, pois quanto mais se dedicar ao exterior,
tanto mais viva e dinâmica será no seu interior;
para a sociedade civil e para a dimensão político-governamental,
a ocasião de resgatar a sua amnésia e de reconhecer o trabalho civilizacional de
quem também serviu a pátria, por vezes, com excesso de zelo, como, por exemplo,
no Padroado. E faça justiça criando uma verdadeira lei que valorize o voluntariado,
mormente o missionário, a exemplo do que acontece em muitos países civilizados
do mundo, com a qual as centenas de leigos e religiosos que todos os anos
partem para a missão não sejam prejudicados nos seus direitos sociais, mas obtenham
justo reconhecimento, até porque trazem
com eles a mais-valia de uma experiência que
muito interessa a diversos âmbitos da sociedade, concretamente ao mundo da
economia.
Que a Rainha das Missões, esta manhã tão
presente na nossa mente e nos nossos corações, compense os missionários e
obtenha novo ardor para as nossas Igrejas Diocesanas e para Portugal inteiro. •
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