Fiéis Defuntos / a morte

Fiéis Defuntos / a morte
 «Posso escolher com quem quero jantar todos os dias, mas não se pensa como quero morrer»
Nov 2, 2019 - 12:58
Profissionais do Instituto de São João de Deus, em Lisboa, sentem o fim de vida como um “tema tabu”

O fim da vida é uma “temática afastada do quotidiano”, que necessita de “reflexão e preparação”, onde a “espiritualidade pode dar uma ajuda”, como explicaram um psicólogo e uma socióloga à Agência Ecclesia.
“É necessário sensibilizar a população para refletir sobre o fim de vida, de pensar sobre estes temas, perceber que posso escolher com quem quero jantar todos os dias, com quem quero viver ou fazer férias mas tenho a responsabilidade, um compromisso ético comigo mesmo e com a minha família, de conseguir contribuir de algum modo sobre o fim da vida: não se pena como é que eu quero morrer? Como gostava que fosse a minha morte?”, diz Hugo Lucas, psicólogo clínico na Clínica São João d’Avila, em Lisboa, em declarações à Agência ECCLESIA.
Segundo este profissional as pessoas “tentam sempre adiar a temática” porque, naturalmente, há sempre tempo para o fazer.
“Segundo a estatística, em cada 100 pessoas, 10 a 13 morre de forma traumática e as restantes morre de doença crónica, progressiva e incurável e portanto se a não cura é a resposta do organismo, gera-se o fim de vida”, explica.
Também Susana Queiroga, socióloga da pastoral da saúde e animação do Instituto São João de Deus, em Lisboa, afirma que o tema é adiado, “não se tem à mesa nem num encontro” e ainda se considera ser “um tema tabu”.

“Vivemos a vida de forma compartimentada, a morte é inevitável mas não há um pensamento racional nem relacional sobre isso, só se pensa na morte quando acontece alguma coisa perto de nós”.
Susana Queiroga
A socióloga aponta que a condição humana é “construtiva” e a “morte é impeditiva disso, por se adiar o tema”.
“O tema não é conversa de café mas uma conversa mais profunda poderia ajudar a ter uma noção diferente da nossa morte e da morte dos outros, por exemplo quem tem uma vivência ativa da espiritualidade encaram de forma diferente, mais positiva, esta situação de sofrimento e desaparecimento de um ente-querido”, explica. 
Também as gerações mais novas são afastadas do tema do fim de vida, por várias circunstâncias mas também, por se achar que é uma defesa.
“Antigamente os ciclos de vida eram vividos no seio da família, em casa e as crianças e adolescentes estavam mais próximos do processo de vida e de morte, entendiam de forma diferente; hoje as mediações são os filmes do youtube e o que dizem os amigos, mas como experiência própria são afastados dos processos”, afirma.
Susana Queiroga é da opinião que é impossibilitado o entendimento da “morte como uma fase do ciclo da vida”, que deve ser explicada à medida das crianças e adolescentes”.
Este profissional defende ainda que qualquer pessoa, em qualquer momento da vida, pode “construir alternativa na forma como quer morrer”, o Testamento vital serve para isso e há um “número reduzido de pessoas” a fazer.
“Com o testamento vital eu consigo fazer um conjunto de escolhas que me permitem perspetivar o que quero e o que não quero para mim ou até nomear alguém que responda por mim; mas há um número reduzido de pessoas que pede para fazer porque as pessoas pensam que a morte não lhes bate à porta e recusam-se a pensar nisso”.
Hugo Lucas
Na clínica de São João de Ávila, em Lisboa, onde trabalha, há o serviço de cuidados paliativos que, além de se dedicar ao utente em fim de vida, presta todo um acompanhamento aos familiares e amigos, bem como uma preparação para o luto.
Hugo Lucas contou à Agência ECCLESIA que a instituição ganhou um concurso nacional onde pode disponibilizar estas consultas do luto a mais pessoas. 
“Surgiu de uma parceria com a fundação La caixa, que impulsionou o programa Humaniza e depois de ganharmos o concurso, uma equipa de apoio psico social, está no Centro hospitalar e Universitário Lisboa Central, em concreto integramos a equipa de cuidados paliativos, e houve a possibilidade de se desenvolver e consubstanciar uma consulta de luto que está aberta neste centro hospitalar e que serve para todos os familiares de doentes enlutados terem acompanhamento no luto, este tempo específico para as pessoas se sentirem acompanhadas”, explica o psicólogo clínico. 
Este acompanhamento de preparação do luto e apoio ao luto é uma das áreas que integra os cuidados paliativos e que dão nova esperança a quem perde os seus ente-queridos.
“Há a possibilidade de terem uma resposta integrada no processo de gestão da perda, os cuidados paliativos também têm a ver com o apoio no luto, no luto de quem está, esteve sempre e ficou; essa gestão começa pela aprendizagem e é também uma forma que eu tenho de me projetar no amanhã, que eu também vou deixar este mundo e posso perspetivar como quero viver sem a presença deste que amava”, sublinha.

Os profissionais vão estar à conversa no programa Ecclesia, na Antena 1 da rádio pública, este domingo, pelas 06h00, ficando depois disponível no site da Ecclesia.

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