SINAIS Os esconderijos de Deus por P. ANTÓNIO REGO, Jornalista
SINAIS
Os esconderijos de Deus por P. ANTÓNIO REGO, Jornalista
Sinais
in Além Mar Janeiro de 2018
Para anunciar Jesus, urge procurá-lo nestes circuitos
tortuosos e desconcertantes em que Deus se encontra onde menos se espera.
Do futuro tudo
se pode dizer. O tempo esconde sinuosidades, surpresas, acontecimentos festivos
e tragédias. Mas também desgastes, desperdícios, arranha-céus e barracas,
prémios Nobel, criminosos e heróis desconhecidos. E nós, no escalão social e
eclesial em que nos encontramos, seguimos, segundo a nossa capacidade de
rejuvenescer ou de nos conformarmos com a mediocridade que nos pode oferecer um
caminho com menos custos dentro daquele que já nos custa percorrer.
Mas não vamos
sós. Mesmo nos nossos cansaços temos quem vai ao nosso lado, suba, recomece,
crie, ressurja das cinzas, vença a fragilidade e o pecado. E, por sermos
cristãos e não deixarmos arrefecer a nossa entrega, temos tempo e espaço para a
invenção, a conversão e para escrevermos e dizermos sempre algo de novo, para
redescobrirmos o Evangelho cada dia, para nos levantarmos de cada queda e
olharmos para o lado oferecendo amparo, dando esperança, ajudando a levantar
tantos caídos que também nos ajudam nas nossas quedas. A ascese cristã sempre
nos estimula a mais um passo, a prosseguir a subida, sentir a luz que vem de
cima, fixar os olhos no Mestre que nos chama e deixar estrelas sobre a estrada.
Os nossos passos, as nossas palavras, o nosso exemplo, não caem em terra seca,
acordaram outros para subir, prosseguir, purificar, amparar, anunciar.
Que bom seria
se cada dia fosse o cumprimento simples deste programa que parece complexo, mas
reveste a nossa pele a ponto de já o cumprirmos com naturalidade que faz parte
da nossa essência.
Apetece-nos
sempre perguntar: como se encaixa esta crónica quase angélica na realidade que
somos, na dualidade das palavras que usamos, nos tempos mortos da nossa oração,
nas quezílias que tantas vezes temperam as nossas relações com os outros, nos
tronos e altares que erguemos ao nosso ego, no desprezo ou esquecimento que
alimentamos pelos outros?
É nesta
dualidade que vivemos, de santos e pecadores, apóstolos e indiferentes, com
momentos fortes de interioridade e tempos vazios e inoperantes, gestos
destemidos de dádiva e cobardias de egoísmo acumulado.
A tudo isto
acresce que não estamos sós. Nem somos apenas dois ou três. As nossas vidas
passam-se em comunidade, comunidades múltiplas onde as nossas subidas e quedas
são gestos de multidão que professa a mesma fé, parte do mesmo baptismo e está
a caminho da mesma Luz, inspirada e animada pelo nosso Mestre, que é a nossa
referência constante. É nossa missão acolher e potenciar as energias que ele
nos concede e a comunidade que nos estimula e confirma. É nesta direcção que
todos somos enviados, movendo, ensinando e aprendendo o caminho sempre novo que
o Mestre nos indica. Sem nunca perder de vista os sinais dos tempos, a
originalidade de cada época, os novos caminhos que sempre se abrem, as
surpresas que nos deixam aqueles que não fazem parte do nosso itinerário, nem
proclamam a vida com as nossas palavras, nem manifestam sinais de fé. E,
todavia, muito têm para nos ensinar por uma escrita única que Deus deixou em
cada ser humano. Para O anunciar, urge procurá-lo nestes circuitos tortuosos e
desconcertantes em que Deus se encontra onde menos se espera. É nossa missão
não apenas proclamá-lo, mas procurá-lo aí, insuspeitamente escondido no manto
espesso de cada tempo. In Além Mar Jan 2018
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