CHILE | PERU Francisco no Chile e no Peru por Anselmo Borges
CHILE | PERU
Francisco no Chile e no Peru por Anselmo Borges *
1 Por ocasião da visita do Papa
Francisco ao Chile e ao Peru, fui confrontado, lendo José Manuel Vidal, que
cita um estudo de Latinobarómetro, com estatísticas temíveis quanto à situação
da Igreja na América Latina. Os números mostram uma forte queda da Igreja
Católica latino-americana devido à saída para as igrejas protestantes, no
contexto da religião evangélica, e, num processo acelerado de secularização,
para o agnosticismo e o ateísmo, como afirmou Marta Lagos, que dirigiu o
estudo.
Os países com maior número de pessoas que se declaram
católicas são Paraguai (89%), México (80%), Equador (77%), Peru (74%), Colômbia
(73%) e Bolívia (73%). 65% dos inquiridos nos 18 países da América Latina dizem
confiar na Igreja, sendo as nações onde tem mais crédito Honduras (78%),
Paraguai (77%) e Guatemala (76%). No Chile, o número baixa para 36% e, segundo
Marta Lagos, a quebra deve-se sobretudo aos abusos sexuais perpetrados pelo
influente padre Fernando Karadima: antes desse escândalo, a confiança dos
chilenos rondava os 69%, descendo abruptamente em 2011 para 38%.
O número de latino-americanos que se declaram
católicos caiu paulatinamente nas duas últimas décadas: se em 1995 os católicos
representavam 80%, esta percentagem baixou para 59% em 2017. Há sete países
onde a população católica já representa menos de metade da população: República
Dominicana (48%), Chile (45%), Guatemala (43%), Nicarágua (40%), El Salvador
(39%), Uruguai (38%) e Honduras (37%). "A esta velocidade, daqui a dez
anos os países da América Latina que terão a religião católica como religião
dominante serão uma minoria." A eleição de Francisco em 2013 teve um
"efeito positivo" e uma prova é que 60% dos chilenos reconheceram
como "positiva" a visita que acaba de fazer ao país.
2 Nesta visita, que incluiu o
Peru, Francisco anunciou por palavras e obras a mensagem de Jesus, na qual
acredita em primeiro lugar para ele mesmo: o Evangelho da salvação, da alegria,
da justiça, da paz, mensagem boa e felicitante, na vida e na morte, sentido
último e salvação para todos os homens e mulheres. Porque é boa para ele,
leva-a aos outros com a força do amor e da convicção.
Ainda na viagem, apelou para a eliminação das armas
nucleares. "Tenho medo da guerra nuclear, estamos no limite."
Aos bispos e padres disse: "Não se tornem
profissionais do sagrado, deixem-se aconselhar pelo Povo de Deus. Não caiam na
tentação de uma autoridade que se converte em autoritarismo. Os leigos não são
nossos empregados." E recomendou que é preciso saber "rir--se de si
mesmo", para afugentar o perigo da "auto-referencialidade" e de
"sentir-se superior aos outros".
Aos jovens deixou uma mensagem de ânimo, apelando a
uma fé adulta e comprometida. "Amadurecer é fazer crescer os sonhos, não é
aceitar a injustiça nem crer que nada podemos fazer." Sem entusiasmo,
"sem a conexão com Jesus, acabamos por afogar as nossas ideias, os nossos
sonhos, a nossa fé. E ficamos desconectados da realidade e do que está a
acontecer no mundo".
Sempre ao lado dos pobres, denunciou "as novas
formas de exploração": "Estejamos atentos à precarização do trabalho,
que destrói vidas e lares, aos que se aproveitam da irregularidade de muitos
migrantes porque não conhecem a língua ou não têm os papéis regularizados."
Insiste sempre nos três "T": tecto, terra, trabalho. "Que a
nossa solidariedade e o nosso compromisso com a justiça sejam parte do baile ou
da canção que hoje pudermos cantar ao nosso Senhor Jesus." Nunca esquece o
cancro da corrupção, "um vírus social, um fenómeno que infecta tudo, sendo
os pobres e a mãe Terra os mais prejudicados".
Ergueu a voz contra o "feminicídio".
"Não se pode praticar como "natural" a violência contra as
mulheres." A visita às mulheres presas numa cadeia foi dos momentos mais
emocionantes da visita. "Não podemos pensar numa cadeia sem a dimensão da
reinserção. Se não houver esta esperança da reinserção, a cadeia é uma tortura
infinita."
Contra a "cultura do descarte" e a
"globalização da indiferença", clamou pela luta contra o tráfico de
pessoas e "a escravatura. Escravatura para o trabalho, escravatura sexual,
escravatura para o lucro". E combate "os falsos deuses, os ídolos da
avareza, do dinheiro, do poder que tudo corrompem".
No encontro com povos da Amazónia - já convocou um
sínodo especial para a Amazónia em 2019 -, denunciou a degradação da natureza,
a exploração e os novos colonialismos dos povos indígenas, exigindo o respeito
e a defesa pelas suas culturas e uma ecologia integral. Os indígenas são
"memória viva da missão que Deus encomendou a todos: cuidar da Casa
Comum". "É preciso que os povos originários moldem culturalmente as
Igrejas locais amazónicas", para se formar "uma Igreja com rosto
amazónico e uma Igreja com rosto indígena."
3 No Chile, onde, como ficou
dito, grassou o escândalo dos abusos sexuais com menores e há forte contestação
ao bispo Juan Barros por alegado encobrimento de pedófilos, Francisco recebeu
vítimas, chorou com elas, manifestando "dor e vergonha".
Evidentemente, o Papa não pode estar informado de tudo
o que realmente se passa na Igreja em cada país. De qualquer modo, o mínimo que
se deve dizer é que o bispo não teve a discrição que se impunha. Já na viagem
de regresso a Roma, Francisco pediu desculpa: "Peço desculpa, se com as
minhas palavras sobre o caso Barros feri as vítimas de abusos."
Desta viagem, há muitas conclusões a tirar. Duas
principais: contra uma Igreja piramidal e vertical, exige-se uma Igreja cada
vez mais horizontal; depois, tolerância zero para a pedofilia, mas é urgente
perceber que a pedofilia não é só um pecado, é também um crime e impõe-se agir
em consequência. in DN opinião 03.02.18
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