CRISTIANISMO 72 | Cristianismo da Compaixão por ARMANDO SOARES
72 | Cristianismo da
compaixão
O verdadeiro cristianismo será o da compaixão (cum + passio) As
histórias de Jesus tornam claro o seguinte: a atenção especial de Jesus, de certo
modo o seu primeiro olhar, não se dirigiu ao pecado dos outros, mas ao seu
sofrimento. E assim interroga o teólogo J. B. Metz: “Não terão talvez os
cristãos ao longo do tempo compreendido e praticado o cristianismo demasiado
exclusivamente como uma religião sensível ao pecado e consequentemente como uma
religião pouco sensível ao sofrimento? Não baniram os cristãos demasiado rápida
e despreocupadamente do anúncio cristológico e escatológico a pergunta, o grito
por Deus perante a história do sofrimento humano?” Esta mística da compaixão é,
através dos que sofrem, uma mística “terrena”; ao mesmo tempo é uma experiência
assumida de uma “paixão por Deus”, não para, desse modo, às experiências
quotidianas, por vezes terrivelmente “profanas” de sofrimento, acrescentar uma
religiosa, (...) mas para nesta mística da paixão por Deus reunir todas as
nossas experiências de sofrimento que clamam ao céu, arrancá-las ao abismo do
desespero e do esquecimento e encorajar uma nova praxis que inclui
evidentemente a capacidade de culpa e a necessidade de conversão de quem age -
não para a seguir anestesiar de novo a nova acção pública mediante um
romantismo afastado da política, mas para lhe retirar a base do ódio e da
violência pura. Pois como bem diz o teólogo D. Bruno Forte: “A crise do sentido
passa a ser a característica peculiar da inquietação pós-moderna. Neste tempo
de pobreza, que, como observa Martin Heidegger, é ‘noite do mundo’, não por
causa da falta de Deus, mas porque os homens já não sofrem com essa falta, a
doença mortal é a indiferença, a perda do gosto na busca das razões últimas
pelas quais valha a pena viver ou morrer, falta de ‘paixão pela verdade’, como
afirma a Fides et Ratio. Para afirmar mais adiante: “ A pior doença que hoje
grassa no mundo é a falta de paixão pela verdade: este 147 é o rosto trágico da
condição pós-moderna. O clima da decadência leva os homens a não pensarem mais,
a evitarem o esforço e a paixão pela busca do verdadeiro, e os impele a buscar
vantagens imediatistas, a procurar o único interesse do consumo imediato. É o
triunfo da máscara à custa da verdade: é o niilismo da renúncia do amor, quando
os homens fogem à dor infinita da evidência do nada, fabricando para si
máscaras para cobrir com elas a ‘tragicidade’ do vazio. No clima da decadência,
até o amor se torna máscara e os valores reduzem-se a coberturas desfraldadas
para esconder a falta de significado e de verdadeiras paixões: o homem
resume-se a uma ‘paixão inútil’ (J. P. Sartre)”. Neste mundo de crise, sem Deus
e sem valores - não será esta a maior pobreza? - os cristãos, como discípulos
de Cristo são chamados a seguir o Missionário do Pai, consagrado e enviado a
levar a Boa Nova aos pobres (Lc 4, 16ss), que nos confiou explicitamente a
missão de anunciar a Boa Nova do Reino a toda a criatura (Mt 28, 16-20). A
Igreja terá de apresentar-se com um rosto sorridente e apaixonado pela maioria
que irá engrossando nas periferias da civilização, do serviço, do bem comum
justo e equitativo, e lançado na humilhação e no desprezo dos famintos e dos
abandonados. in NA FORÇA DE DEUS 72
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