PORTUGAL MISSIONÁRIO Vou partir como missionário para Moçambique

PORTUGAL
MISSIONÁRIO   Vou partir como missionário para Moçambique 
RICARDO MARQUES, ainda diácono, manifestando
publicamente a vontade de ser padre no
dia da sua ordenação sacerdotal.
Texto e Fotos Ricardo Marques*

Nasci no seio de uma família pobre e humilde. Vivíamos apenas com o salário ganho pelo meu pai. Nunca passei fome, mas, desde cedo, aprendi a viver com o fundamental. Sendo filho único, ainda hoje dou graças a Deus porque nunca me faltou nada na vida.
Como qualquer criança normal, entrei para a escola aos 6 anos de idade. Do mesmo modo, mais por vontade da minha mãe, entrei para a catequese com essa mesma idade. Cresci, estudei, frequentei grupos de jovens, fui acólito e fiz desporto, como qualquer outro jovem da minha idade. Sempre tive os meus amigos de infância, os quais ainda hoje conservo, pela graça de Deus. Diria mesmo que, até aos 18 anos, nunca me passou pela cabeça ser padre. E muito menos ser missionário! Na realidade, pensava que um dia poderia vir a ter um bom emprego e a minha própria família. Como gostava muito de computadores, optei por estudar informática desde os 14 anos de idade. Fiz um curso profissional e aos 18 anos entrei para o ensino superior, onde me licenciei em Informática de Gestão. A nível da Igreja, habituei-me desde pequeno a cumprir o preceito dominical. Mais tarde, com outros jovens da minha idade, comecei a participar noutras atividades como encontros de jovens, diversos cursos e retiros.
Todavia, sem que no meu horizonte de vida pairasse alguma coisa relacionada com a questão vocacional. Entretanto, depois de terminada a licenciatura em Informática de Gestão, dediquei-me ao ensino da informática. Fui professor de informática durante oito anos, tendo lecionado em Escolas Profissionais, Centros de Formação Profissional e, por fim, no Ensino Secundário. Além disso, tive oportunidade de trabalhar nalgumas empresas, como sempre tinha ambicionado até esse momento. Quanto ao trabalho em si, sentia-me muito bem com o que fazia e, como não poderia deixar de ser, com o meu próprio salário. Uma vez mais, pela graça de Deus, sempre tive as oportunidades que desejava. No entanto, embora feliz com o que fazia, sentia o meu coração inquieto.
Um dos momentos mais marcantes da minha vida foi o meu Crisma. Juntamente com outros jovens da minha idade, fiz uma preparação para o Crisma que durou, aproximadamente, um ano. No entanto, pouco antes de concretizar a minha adesão pessoal à pessoa de Jesus Cristo, fiquei um pouco inseguro, dado que tinha tomado consciência de que iria assumir um compromisso sério para o qual não sentia suficientemente preparado. Desde ai, assumi o compromisso interior de me dedicar, ainda que a tempo parcial, ao estudo da teologia, na esperança de um dia mais tarde frequentar esse mesmo curso, a nível do ensino superior. Assim, se até ai já frequentava alguns cursos, a minha busca pelo conhecimento das coisas de Deus intensificou-se. Aos 23 anos frequentei um curso de Missionologia, em Fátima, na casa dos Missionários da Consolata, tendo-me ai cruzado com o Pe. António Couto, superior geral da Sociedade Missionária da Boa Nova. Impressionou-me a sua conferência sobre S. Paulo, um homem que mudou radicalmente de vida, consagrando- se, incansavelmente, ao anúncio do evangelho. “Ai de mim se não evangelizar”, dizia S. Paulo. O anúncio do evangelho de Cristo não era só um imperativo, mas uma necessidade de alguém que havia feito uma forte experiência Dele na sua vida. Uma decisão que urgia tomar, sem admitir adiamentos. Nesse mesmo momento, coloquei a minha vocação em causa, embora tivesse um bom emprego. Embora ganhasse um bom salário, com boas perspetivas de futuro, perguntei-me a mim mesmo o que é que preenchia completamente o meu coração. Nessa mesma altura, por coincidência (ou talvez não…), um amigo de infância tinha entrado para o seminário da Boa Nova, em Valadares. Como costumava visitá-lo, fui conhecendo os padres da Sociedade Missionária, a quem acabei por pedir para ser acompanhado no sentido de ser ajudado a discernir sobre a minha vocação. Depois de um longo período em discernimento (três anos), acabei por entrar para Seminário da Boa Nova, em Valadares, aos 27 anos de idade. No meu coração percebi que Deus me chamava para me consagrar à missão ad gentes.
Depois de ter iniciado os estudos em Teologia, fiz o meu primeiro juramento no dia 7 de dezembro de 2008, em Cernache de Bonjardim e, em janeiro de 2009, parti para Moçambique, onde fiz um pequeno estágio de oito meses, na missão de Malema. Foi uma experiência muito profunda, onde aprendi muitas coisas e experimentei, um pouco, o que é ser missionário em terras de missão.
Depois de regressar a Portugal, terminei o curso de Teologia que sempre desejei fazer. Entretanto, ordenei-me sacerdote, na Sociedade Missionária da Boa Nova. Estive, nestes últimos meses, em Cernache do Bonjardim como formador de seminaristas e na pastoral paroquial. Neste mês de janeiro, partirei para terras de missão. Irei para Pemba, uma pequena cidade situada no litoral da província de Cabo Delgado, no norte Moçambique.
Há uns anos atrás, adotei na minha vida pessoal uma passagem do livro de Isaías, onde é dito que “O Senhor deus ensinou-me o que devo dizer, para saber dar palavras de alento aos desanimados. Cada manhã desperta os meus ouvidos, para que eu aprenda como os discípulos.” (Is 50, 4). Não é preciso fazer um grande estudo bíblico para perceber que o profeta fala de uma postura que todo cristão deveria ter: se queremos ser anunciadores de Cristo, temos de, em primeiro lugar, escutá-Lo para, posteriormente, o anunciar. Tendo conhecido a Sociedade Missionária da Boa Nova, descobri uma forma concreta e prática de viver esta passagem bíblica, com o desafio de o viver em comunidade, numa nova família. A isto, juntei a paixão pela missão ad gentes, profundamente marcada pelo espírito missionário, eucarístico, mariano e apostólico, que tanto caracterizam a Sociedade Missionária. E assim se justifica a frase que escolhi como lema para o meu diaconado, retirada de Jr 1,7. A Palavra gera ação e é essa mesma Palavra, que sempre nos interpela, leva-nos a descobrir novos caminhos na nossa vida, a sair do nosso comodismo e a ir ao encontro dos mais necessitados, dos pobres e dos marginalizados.
Vou, pois, partir, com o coração cheio de alegria.

* Missionário da Boa Nova
in BOA NOVA, Janeiro 2015

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