PORTUGAL PADRE FRANCISCO GODINHO

PORTUGAL
PADRE FRANCISCO GODINHO

Mensagem de lembrança do dia de passamento do P.e Francisco Godinho da Costa.


Fui ao Norte, a Cucujães, despedir-me do P.e Francisco Godinho da Costa,  um dos nossos missionários que, depois de ter peregrinado por Moçambique, em tempos conturbados, mas sempre sereno e de olhos em Deus e nos irmãos, foi para o Pai, depois de alguns meses de sofrimento muito duro. Poucas palavras conseguiu dizer nos últimos tempos, mas para nós era a presença dele que nos dizia tudo. 
Não tenho eu incumbência de ninguém para vos levar também qualquer palavra que prolongue as dele, no silêncio interior que viveu no Hospital, onde foi acompanhado diariamente pelo P.e Zacarias Pinho, Reitor do Seminário de Valadares e pela presença constante da Palmira, irmã de sangue e irmã de cabeceira no último mês e meio. 
Não tenho incumbência de ninguém, mas o coração não precisa de ser obrigado para partilhar os momentos em que os afectos se tornam mais estreitos e em que nos parece pouco tudo o que recordamos de quem conhecemos de muito perto. 
Sei que as circunstâncias de férias (o Ponciano está em Cabo Verde de merecidas férias e o P.e Zé Luzia por lá anda em partilha de palavra que tem espalhado por Moçambique e mais algum, não sei) e alguma falta de circulação de notícias contribuíram para que a representação da ARM fosse menos larga do que tem sido em momentos semelhantes: apesar disso, a igreja paroquial de Cucujães estava composta e quase senti que, pelos intervalos, havia vibrações de outros ausentes que me lembraram que só por compromissos estavam de longe associados a nós. No final da Eucaristia, faltaram os aplausos; talvez eles fossem excessivos e o rosto contraído e pálido 4do P.e Francisco Godinho tê-los-ia vituperado, mas apeteceu-me marcar com eles a homilia do nosso bispo, D. António Couto: alargando a memória que nos convocava, trouxe à colação o comentário a uma das parábolas do reino, a da pequena semente que se acaricia na mão e depois de lançada à terra sobe em planta que viceja e se expande em ramos onde as aves do céu vêm fazer o seus ninhos; o coração do Francisco Godinho cabia naquela parábola, sem sombras e sem reticências, porque nem umas nem outras guardava para evitar o encontro com os outros. D. António apontou as grandes qualidades dele como homem e como missionário que um dia tinha batido à porta do Convento de Cristo em Tomar, descido da colina dasOlalhas: a sinceridade dele e a transparência que já ganhara pelas estradas da vida tinham-no feito homem e nunca esmoreceram. A vida, continuava D. António, merece essa sinceridade de coração e essa transparência, mesmo se, entretanto, nos vamos debatendo com a cortina que se vai colando às coisas... Fiquei-me a meditar em tão sábias palavras e dei comigo a olhar para essa cortina, atrás da qual vai surgindo um mundo que apenas será desvendado no dia em que o Senhor da Luz resolver correr esse manto em que nos escondemos ou enrolá-lo para que fique bem perto de nós, a lembrar tantos momentos em que chorámos atrás dela porque algumas lágrimas seriam demais para correrem no rio que tantos outros cruzam; nesta altura os Anjos de Deus devem ter guardado as lágrimas e elas hão-de refulgir no céu, como agora o nosso P.e Francisco Godinho as apresenta em altar que é seu e nosso...
Pode parecer excessiva ou desnecessária esta palavra que vos envio, mas dou-me conta de que ele partiu na idade que Deus também a mim concedeu: ele tinha alguns dias mais do que eu; ordenei-me pelo tempo em que ele entrou no Seminário, pois ia já nos 23 anos, quando bateu às portas do Seminário de Tomar; contrariava o próprio pai que levou a mal que não seguisse outro rumo de vida; a essa altura estava eu já ordenado sacerdote e só o conheci em anos mais adiantados. Por reconstituição de factos e acontecimentos, dei comigo, à porta do cemitério a lembrar alguns factos desses tempos, de 1962, com o Mota e com o Resende, que foram colegas dele nos primeiros anos de Seminário; logo eles lembraram o João Amado e outros mais podiam ser trazidos à memória, mas o tempo de que eu e eles dispúnhamos era escasso para tanta lembrança. O Senhor o tenha com Ele e lhe lembre tantos anos, curtos mas densos que passou connosco!
Que dizer mais? O dia da sua Páscoa ficou a cintilar no nosso interior. O P.e Manuel Jerónimo, Vigário Geral da Sociedade Missionária, em representação do P.e Adelino Ascenso, Superior Geral, no final da Eucaristia, evocou a figura do P. Godinho e acentuou que naquele momento, em comunhão connosco, outros em terras de longe estavam a celebrar a Páscoa daquele missionário: em Nametil, em Moçambique, o P.e Valdemar Dias, que o substituíra na paróquia, no Japão o P.e Adelino Ascenso, Superior da SM, faziam questão de, apesar do desfasamento de horário, estarem também em celebração eucarística... Que mais dizer? Poderíamos alargar-nos a enumerar as virtudes com que gostamos de adornar os nossos elogios: que era exemplar na fé e na caridade sem nunca titubear na esperança...; que, sem ser brilhante, era reflectido; que, na bondade de coração, servia de amparo a todos, a começar pelos prefeitos de disciplina e pelos companheiros mais novos...; que atravessou tempos conturbados e nunca perdeu nem a serenidade nem a compostura nem a simplicidade de trato para a todos atender... Exemplo demisericórdia...., etc., etc. Mas não estaremos a ser estreitos quando pretendemos alargar? Deus de bondade e de misericórdia, que nos revê no Evangelho do seu Filho, que procuramos servir, porá na dimensão generosa o que não conseguimos sequer vislumbrar.
Em 1973, já ordenado de sacerdote, P.e Francisco Godinho entrou em Moçambique, onde assistiu a todas as mudanças e perturbações, sempre firme na sua dedicação aos irmãos; ganhou a confiança de quantos viam nele alguém que tinha o Espírito de Deus e por isso foi escolhido como vigário da diocese de Nampula; nunca perdeu a simplicidade que foi tornando mais transparente e apreciada... Por isto que acabo de escrever, perceber-se-á quanto ele vai ser apreciado: há uns quatro anos, quando chegou para ser internado no Hospital do Porto, passou por Lisboa; era inverno, nada trazia para se abrigar; levou um sobretudo meu, que me sobrava... Não precisava dele hoje, mas eu, na minha falta de imaginação lembrei-o para que Cristo mo restitua na última morada.
Partilho convosco estas lembranças, esperando em Cristo que ele, P.e Godinho, a todos nos assista junto de Deus e a ele nos encomendamos.
Lisboa, no final do terceiro dia da Páscoa do nosso querido P.e Francisco Godinho. P.e Aires A. Nascimento.


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