AMAZÓNIA/Europa.ambiente Francisco: o Sínodo é filho da “Laudato si”
AMAZÓNIA/Europa.ambiente
Francisco: o Sínodo é filho da
“Laudato si”
Entrevista com o Papa Francisco ao jornal italiano La Stampa-Vatican
Insider: a Europa não deve dissolver-se, as identidades dos povos devem ser
respeitadas, mas sem fechamentos. A política precisa de criatividade e
prudência no acolhimento aos migrantes. O Sínodo sobre a Amazónia será uma
resposta à emergência ambiental planetária, mas nasce da Igreja e terá uma
dimensão evangelizadora.
Por Vatican News
11 Agosto, 2019 JM
Foto: Vatican Media |
A Europa deve ser salva porque é um património que “não pode nem deve
se dissolver”. O diálogo e a escuta “a partir da própria identidade” e dos
valores humanos e cristãos são o antídoto contra soberanismos e populismos e o
motor para “um processo de relançamento”, “que vá em frente sem interrupções”.
A entrevista concedida pelo Papa Francisco a Domenico Agasso, especialista em
assuntos do Vaticano, do jornal diário “La Stampa” e coordenador do “Vatican
Insider”, parte da situação atual da União Europeia e trata de temas como
imigração, mudança climática e o próximo Sínodo sobre a Amazónia.
O sonho dos pais fundadores europeus
A esperança é que a Europa volte a ser a do “sonho dos pais
fundadores”. Uma visão concretizada pela implementação dessa unidade histórica
e cultural, além de geográfica, que caracteriza o Velho Continente. Embora
tenha havido “problemas de administração e divergências internas”, explica o
Papa Francisco, a nomeação de uma mulher, Ursula von der Leyen, como chefe da
Comissão Europeia, “pode ser adequada para reavivar a força dos pais
fundadores”, porque “as mulheres têm a capacidade de aproximar e de unir”.
Europa: partir novamente dos seus valores humanos e cristãos
O principal desafio para relançar a Europa nasce do diálogo. “Na União Europeia
se deve falar, confrontar, conhecer”, afirma o Papa, explicando como o
“mecanismo mental” por trás de cada raciocínio deve ser “primeiro a Europa,
depois cada um de nós”. Para isso, reitera, “também precisamos ouvir”, ao passo
que, muitas vezes, apenas vemos somente “monólogos de compromisso”. “O
ponto de partida e reinício são os valores humanos, da pessoa humana.
Juntamente com os valores cristãos a Europa tem raízes humanas e cristãs, é a
história que o diz. E quando digo isto, não separo católicos, ortodoxos e
protestantes. Os ortodoxos têm um papel muito precioso para a Europa. Todos
temos os mesmos valores fundamentais”.
A identidade não se negocia, mas deve se abrir ao diálogo
O Papa explica: “Cada um de nós” é obviamente importante, não é
secundário. De facto, todo o diálogo deve “partir de sua própria identidade”.
Ele faz um exemplo: “Eu não posso fazer ecumenismo se eu não parto do meu ser
católico, e o outro que faz ecumenismo comigo deve fazê-lo como protestante,
ortodoxo… A própria identidade não se negocia, se integra. O problema dos
exageros é que se fecha a própria identidade, não se abre. A identidade é uma
riqueza – cultural, nacional, histórica, artística – e cada país tem a sua
própria, mas deve ser integrada com o diálogo. Isto é decisivo: a partir da
própria identidade abrir-se ao diálogo para receber algo maior da identidade
dos outros”.
Preocupado com o soberanismo e o populismo
Neste sentido, o Papa se diz preocupado com o soberanismo: “É uma
atitude de isolamento. Estou preocupado porque se ouvem discursos que se
assemelham aos de Hitler em 1934. Nós por primeiro. Nós… nós… Estes são
pensamentos assustadores. O soberanismo é fechamento. Um país deve ser soberano,
mas não fechado. A soberania deve ser defendida, mas também devem ser
protegidas e promovidas as relações com outros países, com a Comunidade
Europeia. O soberanismo é um exagero que sempre acaba mal: leva a guerras”. O
populismo, por sua vez, é uma forma de impor uma atitude que conduz aos
soberanismos e não deve ser confundido com o “popularismo” que é a cultura do
povo e a possibilidade que ele se expresse.
Migrantes: o direito à vida em primeiro lugar
Receber, acompanhar, promover e integrar são, ao invés, os critérios a
serem seguidos quando se fala de imigração e de acolhimento. Em primeiro lugar,
reitera o Papa, está o direito à vida, “o mais importante de todos”. Ademais, é
preciso recordar as condições de guerra e de fome da qual as pessoas que fogem
são provenientes. Igualmente, “os governos devem pensar e agir com prudência”,
porque “quem administra é chamado a ponderar sobre quantos migrantes podem ser
acolhidos”. Também podem ser adotadas soluções criativas, pensando, por
exemplo, quantos Estados têm carência de mão de obra no setor agrícola:
“Contaram-me que num país europeu há cidades quase vazias devido à queda
demográfica. Algumas comunidades de migrantes poderiam ser transferidas para
estas cidades, as quais seriam capazes de reaquecer a economia local”.
Ajudar os países pobres para interromper fluxos migratórios
Francisco acrescenta outra reflexão: “Sobre a guerra, devemos
esforçar-nos e lutar pela paz. A fome diz respeito principalmente à África. O
continente africano é vítima de uma maldição cruel: no imaginário coletivo
parece que tem que ser explorado. Ao invés, uma parte da solução é investir
nele para ajudar a resolver seus problemas e interromper assim os fluxos
migratórios”.
Amazónia, um “Sínodo urgente”
No mês de outubro próximo vai se realizar no Vaticano o Sínodo sobre a
Amazónia, filho da Laudato Si’, ressalta o Papa, acrescentando que quem
não a leu jamais entenderá o Sínodo sobre a Amazónia.
Francisco reitera sobre a Laudato Si’: não é uma encíclica verde,
mas uma encíclica social baseada no cuidado da Criação. Ao mesmo tempo é um
“Sínodo urgente”. Efetivamente, Francisco se diz chocado que em 29 de julho o
homem já tenha consumado todos os recursos regeneráveis para o ano em
andamento. Isso, junto ao derretimento das geleiras, ao risco de aumento do
nível dos oceanos, do incremento do lixo plástico no mar, do desmatamento
e de outras situações críticas, faz de modo que o planeta viva numa “situação
de emergência mundial”.
Um trabalho de comunhão conduzido pelo Espírito Santo
O Sínodo, todavia, adverte o Papa, “não é uma reunião de cientistas ou
de políticos. Não é um parlamento: é outra coisa. Nasce da Igreja e terá missão
e dimensão evangelizadora. Será um trabalho de comunhão conduzido pelo Espírito
Santo”. Os temas importantes são os que dizem respeito aos “ministérios da
evangelização e aos vários modos de evangelizar”, explica Francisco, enquanto a
questão dos “viri probati”, a possibilidade de ordenar anciãos e casados onde
faltam sacerdotes, não será um dos temas principais do Sínodo, mas é
“simplesmente um número do Instrumentum Laboris” (Instrumento de
trabalho, ndr).
A Amazónia é decisiva para o futuro do planeta
O Papa explica a escolha de fazer um Sínodo para a Amazónia, uma região
que envolve nove Estados: é “um lugar representativo e decisivo… contribui de
modo determinante para a sobrevivência do planeta. Grande parte do oxigênio que
respiramos é proveniente dali. Eis o motivo porque o desmatamento significa
matar a humanidade. Além disso, efetivamente, a Amazónia envolve nove Estados,
portanto, não diz respeito a uma única nação. Penso na riqueza da
biodiversidade amazónica, vegetal e animal: é maravilhosa”. Francisco diz temer
“o desaparecimento da biodiversidade. Novas doenças letais. Uma deriva e uma
devastação da natureza que poderiam levar à morte da humanidade”.
A política elimine conivências e corrupções
“A ameaça da vida das populações e do território – ressalta ainda
referindo-se à salvaguarda da Amazónia – deriva de interesses económicos e
políticos dos setores dominantes da sociedade.” A política deve “eliminar suas
conivências e corrupções. Deve assumir suas responsabilidades concretas, por
exemplo, sobre o tema das minas a céu aberto, que envenenam a água provocando
muitas doenças”.
Confiança nos jovens
A confiança numa nova atitude em relação à Criação vem dos movimentos
juvenis – afirma por fim o Santo Padre –, como o que foi criado por Greta
Thunberg: “Vi um cartaz deles que me impressionou: ‘O futuro somos nós!’”.
Significa promover uma atenção às pequenas coisas diárias que “incidem” na
cultura “porque se trata de ações concretas”.
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