NIGERIA BOKO HARAM Na linha da frente da guerra ao Boko Haram

NIGERIA
14/04 20:10 CET

"Será que está próximo o fim para desta sinistra organização? Ou será que aqueles que consideram a educação ocidental como um pecado preparam uma vingança terrível?"
Durante mais de uma década, a seita islamita Boko Haram limitou a sua estratégia a tentar criar um califado no Norte da Nigéria, mas entretanto alargou a campanha de terror aos países vizinhos.
Chade, Nigéria e Camarões responderam com uma aliança militar que, desde Janeiro, apoia o governo de Abuja no combate aos radicais.
Em Março, o Boko Haram jurou fidelidade ao autoproclamado Estado Islâmico. Uma coligação entre terroristas que lançou o alerta por toda a região e levou ao intensificar da ofensiva militar conjunta.
A euronews foi à linha da frente, integrada num contingente do exército do Chade, que libertou uma importante localidade no Norte da Nigéria.
Avisamos que esta reportagem contém imagens que podem ferir susceptibilidades.
A cidade-fantasma de Malam Fatori
Uma das frentes da mais recente guerra em África está numa região quase deserta, junto ao Lago Chade,um triângulo de porosas fronteiras entre a Nigéria, o Níger, o Chade os Camarões.
É um conflito assimétrico entre uma coligação militar regional e um dos grupos jiadistas mais bárbaros e implacáveis do planeta: o Boko Haram, nascido e sedeado na Nigéria.
Malam Fatori fica nas margens do Lago Chade. Soldados do Chade e do Níger controlam a cidade desde 31 de Março, mas ainda existem bolsas de resistência do Boko Haram nas redondezas.
Aterramos na linha da frente, escoltados pela força militar conjunta do Níger e do Chade. Vamos visitar o posto avançado onde está o contingente que, nos últimos meses, tem conquistado os principais bastiões da seita islamita, no nordeste da Nigéria.
São homens habituados aos combates, aos rigores de um clima implacável, carregado de sol e areia.
No campo, a moral está em alta. Os soldados não duvidam que estão a ganhar a guerra aos islamitas.
Não têm medo da morte, mas sabem que o inimigo também não. O Boko Haram é um adversário implacável, sem amor à vida. Morrer a matar é o atalho mais rápido para o Paraíso que prometem os líderes radicais na sua visão distorcida do Islão.
Centenas de militares e dezenas de blindados estão permanentemente em alerta no posto avançado, a 500 metros de Malam Fatori, a última cidade libertada.
Talvez por causa da vinda da imprensa internacional, nota-se uma presença rara entre os soldados: dois generais de quatro estrelas. São os chefes do Estado Maior do Exército do Níger e do Chade.
Ainda não sabemos, mas uns dias mais tarde, uma fonte próxima do governo dos Camarões confessa-nos que a coligação pensava ter morto Abubakar Shekau, o líder do Boko Haram, na batalha que eclodiu 24 horas após a libertação de Malam Fatori.
Mas o esquivo, o elusivo Shekau não estava entre os 200 guerrilheiros do Boko Haram que os soldados do Chade dizem ter eliminado quando rechaçaram uma emboscada em que perderam 9 militares e várias dezenas foram feridos.
Desde que assumiu o comando do Boko Haram, em 2009, Shekau, o senhor da guerra transformou a seita numa eficiente máquina de matar.
As únicas provas dos combates que nos mostraram foram armas, alegadamente apreendidas aos jiadistas que foram abatidos. Contámos uma meia centena de metralhadoras Kalashnikov, provavelmente roubadas ou abandonadas pelo exército da Nigéria. Vimos também alguma artilharia pesada e inúmeras munições de vários calibres. Não é difícil encontrar armamento por aqui, o tráfico de armas é um negócio florescente na região.
A ofensiva militar e, em especial, a participação das tropas do Chade, permitiu um volte-face na situação.
A libertação de Malam Fatori é uma grande vitória estratégica na luta contra o Boko Haram, que utilizava o enclave como um centro de comando para lançar ataques no Níger e no Chade.
A cidade nigeriana está a menos de 4 km da fronteira com o Níger.
Os soldados que nos escoltam na visita a Malam Fatori avisam-nos que ainda podem existir armadilhas explosivas ou minas nas casas e no terreno. Pedem-nos para não nos afastarmos da caravana. A viagem dura apenas alguns minutos.
À chegada, um silêncio perturbador. As ruas estão desertas, as casas vazias, as lojas sem patrão nem clientes.
Antes, Malam Fatori tinha 30.000 pessoas e um mercado muito concorrido. Recordações distantes. Após 5 meses de aplicação da lei da Sharia pelo Boko Haram, resta o vazio e o espectro da morte.
Só conseguimos avistar alguns idosos e umas poucas crianças. Quase não há mulheres e os jovens desapareceram.
Encontramos um menino a brincar entre a madeira queimada e o ferro manchado de fuligem. A mãe explica-nos o que aconteceu 72 horas antes:
“O Boko Haram fugiu da cidade quando viu que os soldados estavam a chegar. Fugiram em todas as direcções. Antes de partirem, disseram-nos para sair das casas e queimaram-nas”.
Outros habitantes afirmam que, na fuga, o Boko Haram levou consigo dezenas de raparigas. Foram raptadas. Mais uma cena macabra: as jovens foram despidas e partiram nuas para não fugirem dos sequestradores. Nunca mais ninguém soube delas.
O sequestro das adolescentes é confirmado por um grupo de idosas, que também conta que os rapazes foram assassinados:
“O Boko Haram levou as raparigas para as forçar a casar. Também raptaram as crianças mais jovens. Aos mais velhos, cortaram a garganta. Porquê?
O Boko Haram tinha olhos e ouvidos por todo o lado. Controlavam cada um dos nossos movimentos: quando saíamos à rua, quando entravamos em casa… Estavam sempre lá a controlar-nos”.
O drama desta cidade, como de tantas outras no Norte da Nigéria, parece saído de um outro tempo. É algo que parecia inconcebível no século XXI.
No regresso ao campo, o único som que escutamos é o do vento numa chapa metálica. Saímos de uma cidade-fantasma onde não se escuta o riso das crianças, as conversas entre vizinhos e nem mesmo o chilrear dos pássaros. O Boko Haram deixou a sua marca: o medo, intenso.
A psicose colectiva é de tal ordem que se tornou impossível distinguir as informações verdadeiras dos sinistros rumores sobre massacres, assassinatos e sequestros. É essa, a estratégia do Boko Haram: conquistar pelo terror.
O preço da barbárie no Chade
O rio Chari é a fronteira natural entre o Chade e os Camarões. Uma barreira facilmente ultrapassável a nado ou de piroga.
Numa das margens, a última aldeia nos Camarões, Kousseri. Na outra, os subúrbios de N’Djamena, a capital do Chade.
No rio, ergue-se um dos locais mais animados da capital, a ponte Ngueli, ponto de encontro e de passagem para pessoas e mercadorias.
Por aqui, transitam diariamente milhares de cidadãos e toneladas de produtos. Até há pouco, a grande preocupação dos guardas fronteiriços eram os contrabandistas. Agora, as coisas mudaram.
Os controlos de segurança foram reforçados para prevenir atentados e evitar a entrada de armas.
O Chade leva a ameaça muito a sério. Vários atentados dos islamitas da Nigéria ocorreram a poucos quilómetros daqui.
A proximidade com a zona de influência do Boko Haram levanta um sério problema de segurança, mas não só. A crise também tem uma dimensão económica de monta para o Chade.
A barbárie da seita colocou em perigo as rotas comerciais de N’Djamena com os seus parceiros-chave, a Nigéria e os Camarões.
A fronteira com a Nigéria está fechada há mais de um ano por causa da violência e da insegurança. A única opção que resta ao Chade – um país sem acesso ao mar e que importa a maior parte do que consome – é passar pelos Camarões.
Mas, as mercadorias chegam por estradas que são alvo de ataques, há meses. O governo do Chade desespera. Proteger esta rota comercial tornou-se numa prioridade absoluta.
O percurso começa no porto camaronês de Douala e termina em N’Djamena. Mas o caminho mais rápido tornou-se impraticável por causa dos ataques.
A rota alternativa é substancialmente mais longa. Isso significa mais custos em combustível, menos mercadorias e preços mais elevados.
Poderá o presidente Idriss Deby permitir-se uma guerra longa contra o Boko Haram?
Mais meses de combates junto à fronteira podem acabar por asfixiar a economia do Chade.
Dar es Salam: Um refúgio da guerra
Na fuga ao terror do Boko Haram, nos últimos três meses, cerca de 20.000 nigerianos passaram o lago Chade em busca de um refúgio. Cada um tem uma história sobre a forma como o Boko Haram afectou a sua vida.
O campo de refugiados de Dar es Salam, no Chade, é agora a casa de 4000 deslocados. Muitas famílias vêm de Baga, palco de um dos mais bárbaros massacres do Boko Haram. Chegam sem nada. Muitos, viram os familiares morrer. Alguns estão feridos, mas as feridas que vão demorar a sarar são os traumas psicológicos profundos que trazem com eles.
Escaparam a situações como as que vemos num vídeo recuperado dos telemóveis dos guerrilheiros mortos em Damasak, quando a força internacional libertou a cidade no dia 17 de Março.
O Boko Haram gravou as execuções colectivas em Bama, na Nigéria, e numa aldeia nos Camarões. Centenas de civis mortos a sangue frio. Entre os assassinos, alguns adolescentes.
No campo de Dar es Salam, o que mais se vê são crianças sozinhas ou órfãs. Os pais foram mortos ou perderam-se no alvoroço da fuga aos massacres do Boko Haram cometidos na outra margem do lago.
Os Médicos Sem Fronteiras têm aqui um serviço de apoio psicológico para crianças e adultos.
“O que estas crianças viveram não desejamos nem ao nosso pior inimigo. Os islamitas roubaram-lhes uma parte da adolescência. É muito difícil”, explica o coordenador do campo de refugiados, Idriss Dezeh.
Graças à ajuda do ACNUR, da UNICEF, da Cruz Vermelha, do governo do Chade e das ONG, as crianças encontram algum conforto em Dar es Salam
Uma escola improvisada foi aqui instalada. As crianças aprendem canções em francês, mas a maioria só fala inglês ou ‘haussa’, o dialecto local. Viveram horrores inimagináveis numa sociedade civilizada. Escutaram o som das armas antes das músicas que tentam memorizar num idioma estrangeiro.
Ao crepúsculo, os homens reúnem-se para rezar. São as mesmas orações que os seus carrascos utilizaram para tentar impor a Sharia, a sangue e fogo.
A grande maioria das vítimas do Boko Haram é muçulmana.
Combater o Boko Haram: uma questão de sobrevivência
Idriss Déby está há 25 anos no poder, no Chade. Um quarto de século em que lutou directa ou indirectamente em todas as guerras na região.
Em N’Djamena, o presidente do Chade explicou-nos as razões da participação do seu país nesta derradeira batalha contra o jiadismo. É uma questão de sobrevivência.
Luis Carballo, euronews – Qual é a amplitude da ameaça do Boko Haram no Chade? Idriss Déby, presidente do Chade  Até 2013, as acções do Boko Haram, por muito nefastas que fossem para a população, circunscreviam-se à Nigéria. Mas, a partir desse ano, o Boko Haram começou a estender as suas acções para lá da Nigéria, especialmente nos camarões e no Níger. E, evidentemente, o Boko Haram decidiu atacar o Chade. É uma organização extremamente perigosa, que teve tempo para se organizar e recrutar pessoas sem trabalho. O Boko Haram também tem vínculos estreitos ao grupo Estado Islâmico. Em termos económicos, o Chade sofreu enormes perdas. O Boko Haram decidiu asfixiar o país, cortando o único eixo que nos unia ao porto de Duala, nos Camarões, que é vital para o Chade. Era um perigo potencial para toda a sub-região. É verdade que nenhum país pode sair sozinho desta nebulosa, daí a nossa necessidade de dispor dos meios em comum – muito escassos – para conseguir reduzir a capacidade destrutiva do Boko Haram. Quais são os objectivos específicos desta acção militar? Pretendem destruir o Boko Haram ou mantê-lo afastados das vossas fronteiras?
Idriss Déby - Destruir o Boko Haram, rápida e claramente. Há que destrui-los com todos os meios ao nosso alcance.
O seu país participou, em 2013, na Operação Serval no Mali e, em 2014, na operação Barkhane no Sahel, contra grupos fundamentalistas. Agora a França proporciona-lhe informação sobre o Boko Haram, tal como outros países, mas gostaria de um maior envolvimento da Europa e dos Estados Unidos?
Idriss Déby - Não. Creio que temos que entender que, há 60 anos, praticamente desde a independência dos países africanos, que deveríamos ser capazes de cuidar de nós mesmos, de gerir as nossas crises, devemos ser capazes de fazer frente aos movimentos terroristas. Devemos começar por unir os nossos esforços, esforços africanos.
No princípio de Março, o Boko Haram jurou fidelidade ao autoproclamado Estado islâmico. Essa aliança reforça a perigosidade?
Idriss Déby  A nossa acção enfraqueceu a potência militar do Boko Haram. Desorganizámos o seu Estado Maior. Tudo isto teve o efeito de mostrar o verdadeiro rosto do Boko Haram que não é, como se costuma dizer, uma organização local que actua em África, ou na Nigéria, mas sim uma organização que tem vínculos a outras organizações terroristas em todo o mundo, especialmente ao grupo Estado Islâmico. É preciso questionar quem está por trás do Boko Haram.
Não há muita informação sobre o número de combatentes do Boko Haram nem sobre as fontes de financiamento. Só se sabe que obtêm dinheiro através de roubos e sequestros. Acredita que recebem financiamento de países estrangeiros?
Idriss Déby - Claro que os combatentes têm apoio, que os financiam. Receberam material, incluindo blindados no terreno. De quem? Não sei.
Mas tem mesmo a certeza de que receberam apoio externo?
Idriss Déby - Que outra razão pode haver para uma organização terrorista conseguir conquistar um terço de um país enorme como a Nigéria, e ter um exército organizado, com blindados, com operacionais muito semelhantes aos de um exército regular? 
Na Nigéria não se fabricam blindados, nem armas. Tudo isto não caiu do céu.
Vimos que grupos chegados ao autoproclamado Estado Islâmico também estão operacionais na Líbia. Isso pode abrir uma nova frente na fronteira no Norte?
Idriss Déby  Em 2011, quando o ocidente e a NATO iniciaram as operações militares contra a Líbia, adverti-os. Não sentia um grande amor por Khadafi, mas o modo de o tirarem do poder, que deixou um país súper equipado, do ponto de vista militar, súper armado, foi decidido sem tomar precauções. Refiro-me à era pós-Khadafi, a medidas para que as armas não saíssem da Líbia. Desde o assassinato de Khadafi que estamos em pé de guerra. As armas circulam, tanto no norte como nas outras fronteiras, o EI desenvolve-se, e os terroristas também se expandem na Líbia. Há, realmente, uma ameaça física para os países africanos no sul do Sahara.
O Chade é um país com maioria muçulmana, o presidente também é muçulmano, como muçulmano, o que pensa da apropriação que o Estado Islâmico fez da sua religião, do Islão?
Idriss Déby  Tanto o autoproclamado Estado Islâmico como o Boko Haram e as suas actividades estão muito, muito, muito afastados do Islão. Para mim é inaceitável, e os muçulmanos não devem apenas observar e deixar fazer. Ignorámo-los demasiado tempo e chegou a hora dos muçulmanos enfrentarem esta organização terrorista que não têm nada de muçulmana. Não são muçulmanos e devemos combatê-los, os muçulmanos têm de combater estas pessoas.
A coligação que combate o Boko Haram conseguiu expulsar os islamitas radicais de várias cidades que ocupavam no Norte da Nigéria. Mas será que esses avanços são suficientes para se poder dizer que o fim está próximo para esta sinistra organização? Ou será que os que consideram a educação nos moldes ocidentais como um pecado preparam uma vingança terrível?



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