NIGERIA mulheres na Nigéria por JOÃO MANUEL ROCHA
NIGERIA
mulheres na
Nigéria por JOÃO MANUEL ROCHA
14/04/2015 - 15:50
Quando os homens do Boko Haram
atacaram a sua aldeia, em Outubro do ano passado, Hawa Jibrie, nome fictício
desta mulher de 24 anos, fugiu com os pais e três irmãos para as grutas das
montanhas de Mandara, para tentarem chegar à fronteira da Nigéria com os
Camarões. Mas foram perseguidos e acabaram por ser capturados, eles e um grupo
de aproximadamente cem pessoas.
Os islamistas separaram os homens, levaram alguns para o
cativeiro e decapitaram oito, incluindo um irmão de Hawa. Ela virou a cara para
não ver. A mãe assistiu e acabaria por morrer nesse mesmo dia. Hawa, tal como a
irmã, Esther, acredita que a mãe não resistiu ao choque. As mulheres foram
levadas para uma casa. Quando Hawa chorava, batiam-lhe para se calar. Ao cabo
de 20 dias conseguiu fugir.
A situação vivida pela família de Hawa – e muitos outros
casos igualmente documentados pela Amnistia Internacional – confirma que o
muito mediático caso das mais de 200 raparigas de Chibok, raptadas há um ano
pelo Boko Haram, que correu mundo mas continua por resolver, está longe de ser
um episódio isolado.
Num relatório divulgado quando passa um ano sobre o rapto
de Chibok, a organização de defesa dos direitos humanos, que entrevistou quase
200 testemunhas e vítimas de raptos, incluindo 28 mulheres que conseguiram
fugir, recolheu dados sobre 38 casos de raptos colectivos feitos pelo Boko
Haram e calcula que o número de mulheres e raparigas nigerianas sequestradas
desde o início de 2014 é “sem dúvida superior” a dois mil.
Em meados de Fevereiro de 2015, o exército nigeriano, com
o apoio de forças militares dos Camarões, Chade e Níger lançou uma ofensiva que
lhe permitiu recuperar o controlo da maior parte das cidades que o grupo tinha
ocupado no Nordeste. Milhares de pessoas recuperaram nessa altura a liberdade.
A maior parte das raptadas pelo Boko Haram são mulheres
solteiras ou raparigas, forçadas depois a casarem-se com membros do grupo.
Servem como cozinheiras, são vítimas de abusos sexuais, em parte dos casos
recebem treino para participarem em acções armadas, por vezes contra as suas
próprias aldeias, segundo as informações recolhidas pela organização de defesa dos
direitos humanos.
“Eu estava num grupo de raparigas treinadas para
disparar. Também fui treinada no uso de bombas e no modo de atacar uma aldeia”,
contou Aisha Yusuf, 19 anos, raptada num casamento, juntamente com a irmã, a
noiva e a irmã desta, em Setembro de 2014, e levadas para um campo de treino em
Madagali. Passou ali quatro meses, num campo onde calcula que estivessem umas
cem mulheres e 500 combatentes.
A violência sexual é proibida pela sharia, a lei
islâmica, mas diversas mulheres entrevistadas pela Amnistia queixaram-se de
terem sido vítimas, às escondidas, de abusos de combatentes do Boko Haram. “Fui
violada várias vezes quando estava no campo. Às vezes eram cinco. Outras três,
outras seis. Aconteceu durante todo aquele tempo. Era sempre à noite... Alguns
eram da minha aldeia. Os que já me conheciam eram ainda mais brutos comigo”,
contou Aisha, nome também fictício. Conseguiu fugir em Janeiro de 2015, com a
ajuda de uma mulher que cozinhava para os islamistas.
Os relatos de violência abundam no relatório. Ainda que
não seja possível ter a certeza dos números exactos, são muitos os testemunhos
que apontam para a execução sumária de centenas de homens que rejeitam ou
hesitam em juntar-se ao Boko Haram. Dois jovens ouvidos por investigadores da Amnistia
contaram que, num único dia de Dezembro, quando o grupo tomou Madagali, no
estado de Adamawa, terão sido executados pelo menos cem.
A Amnistia calcula que pelo menos 4000 pessoas tenham
sido mortas pelo grupo islamista em 2014 e que o mesmo tenha acontecido a 1500
no primeiro trimestre de 2015. Desde o início da sublevação islamista, em 2009,
foram mortas mais de 13 mil pessoas na Nigéria. Só entre Janeiro de 2014 e
Março de 2015, ataques à bomba atribuídos ao grupo mataram mais de 800 pessoas.
O terror do Boko Haram deu também origem a mais de um milhão de
deslocados.
“Estas execuções pavorosas, a violência sexual, o
recrutamento de crianças-soldados são crimes de guerra que precisam de ser
investigados”, disse, citado pela Reuters, o autor do relatório, Daniel Eyre
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