SALVAR O PLANETA/ greve climática global
MANIFESTO
Em contra-relógio, avançamos de
forma decidida para ganhar um futuro. As greves climáticas estudantis, que por
todo o mundo mobilizam milhões de jovens pela justiça climática, são um sinal
de luz para a gigantesca transformação que temos de fazer na próxima década,
quer na economia, quer na sociedade: cortar 50% das emissões de gases com
efeito de estufa até 2030 será a maior transformação que a Humanidade já
empreendeu, e é exactamente aquilo que nos diz a Ciência que tem de acontecer.
Não fazê-lo é destruir as condições materiais que permitiram a civilização
humana e é fechar os olhos à injustiça climática como uma realidade no
agravamento ou na aniquilação das vidas das pessoas que são já as mais
oprimidas. Quem menos contribui para as alterações climáticas é quem que mais
sofre com as suas consequências.
Respondemos ao apelo
internacional para a realização de uma Greve Global pelo Clima, no próximo dia
27 de Setembro. Em Portugal, queremos que este protesto seja abrangente sem
deixar de ser contundente. As experiências passadas, quer nas greves climáticas
estudantis de 15 de Março e 24 de Maio, quer nas marchas mundiais do clima e
nos protestos contra a exploração de petróleo e gás dos últimos anos,
demonstram que tal é possível. Queremos construir este processo com diferentes
sectores da sociedade civil, uns mais próximos destas lutas, outros em
aproximação.
Ao desafio global de cortar para
metade as emissões de gases com efeito de estufa acrescem os desafios nacionais
e locais, que dão forma ao protestos e campanhas mais focadas e concretas.
Assim, concretizamos as exigências que enquadram a Greve Global Climática em
Portugal, nomeadamente uma transição justa que garanta a neutralidade de
carbono em Portugal até ao ano de 2030. Neste sentido, é urgente:
– Encerrar as centrais
termoeléctricas de Sines e do Pego já na próxima legislatura e preparar o
encerramento das centrais de ciclo combinado antes de 2030;
– Acabar com as concessões
petrolíferas e de gás ainda existentes em Portugal e revogar a legislação que
permite o lançamento de novas concessões de petróleo e gás no país;
– Proibir a importação de gás
natural obtido por fracturação hidráulica e travar qualquer expansão do sistema
de recepção, armazenamento e transportes de gás natural (incluindo o sistema de
transporte por gasodutos previsto);
– Cancelar quaisquer grandes
projectos que acarretem um garantido aumento de emissões de gases com efeito de
estufa, nomeadamente expansões portuárias e aeroportuárias;
– Criar um sector público que
lidere o processo de produção de energia, uma produção abrangente para toda a
população, a partir de fontes renováveis, nomeadamente solar e eólica, com
investimento público e serviço público, desde a transformação de materiais até
à instalação das turbinas e dos painéis;
– Implementar um verdadeiro
plano de eficiência energética, começando nos edifícios públicos, mas
atravessando todos os sectores da sociedade, potenciando poupanças de até 30%
em alguns sectores já a curto prazo, exigindo-se ainda a descontaminação dos edifícios
públicos ou de utilização pública ainda equipados com estruturas de amianto ou
outras substâncias cancerígenas;
– Electrificar o sistema de
transportes nacional, começando pelos transportes públicos, realizando os
investimentos necessários à promoção dos transportes elétricos, nomeadamente,
comboios e elétricos de superfícies, em detrimento dos transportes aéreos,
altamente poluentes, acabando com os onerosos subsídios de que esta indústria
beneficia;
– Expandir a rede de transportes
públicos nas principais cidades e ligações entre as mesmas, com particular
relevância para a integral renovação da ferrovia nacional no contexto da
mobilidade internacional e requalificar as partes da mesma que estão hoje
desactivadas, introduzindo a gratuitidade dos transportes públicos durante a
próxima legislatura;
– Criar um plano nacional
florestal e agrícola apontado para a agro-ecologia, que norteie as actividades
no mundo rural de acordo com as condições de solos e água existentes nos
locais, reduzindo a agricultura e pecuária intensivas dependentes de enorme
quantidade de insumos químicos e de deslocação de água, fomentando a produção
local através da criação de mercados de proximidade que encurtam os circuitos
comerciais, favorecendo um progressive aumento da capacidade de
auto-aprovisionamento alimentar em Portugal. Adequar as áreas florestais
nacionais às condições climáticas actuais e futuras, apostando na
diversificação de espécies e na promoção de árvores autóctones, numa
perspectiva de aumento de resiliência face a incêndios e diversificação de usos
florestais nas áreas rurais, em detrimento das grandes extensões de monocultura
hoje dominantes. Exige-se o fim da autorização de produtos químicos
comprovadamente perigosos para os seres vivos e que contaminam os solos e a
água. A reflorestação e as práticas agrícolas devem ser orientadas para o
repovoamento dos insectos polinizadores, importantes para a continuidade da
flora;
– Assegurar um acesso equitativo
a água potável e a alimentos, prevenindo uma verdadeira crise migratória, pela
sua falta, nas próximas décadas.
Para concretizar estas
exigências será necessário um nível de mobilização sem precedentes na sociedade
mundial, incluindo na sociedade portuguesa. Precisamos desta mobilização para
salvar milhões de pessoas, para salvar a civilização e a biodiversidade.
Sabemos que será necessário um nível de investimento público massivo que, uma
vez mais, sabemos ser possível (por exemplo, a União Europeia disponibilizou
40% do seu PIB para o resgate ao sector financeiro durante a crise financeira).
Calcular os prejuízos financeiros de não actuar é um exercício fútil: a
economia como a conhecemos hoje não sobreviverá ao caos climático e a vida
humana e de outros seres não tem
preço. Vivemos em emergência climática, e é urgente que o Estado declare o estado de emergência, actuando de imediato e em concordância.
preço. Vivemos em emergência climática, e é urgente que o Estado declare o estado de emergência, actuando de imediato e em concordância.
Para executar as muitas tarefas
que serão necessárias para transformar a economia e a sociedade, será essencial
criar um sector público e cooperativo dedicado a esta transformação, algo que
já está contemplado em projectos como a campanha Empregos para o Clima em
Portugal ou o Green New Deal nos Estados Unidos: serão precisos centenas de
milhares de novos postos para trabalhadores e trabalhadoras só em Portugal, e
centenas de milhões por todo o mundo, para garantir esta transição. De igual
modo, também o sector da educação e formação tem que ser transformado,
nomeadamente através da criação de novos empregos que respondam às necessidades
de investigação, educação e formação. Deverá ser dada prioridade clara a quem
trabalha nos sectores que tendem a acabar (exemplo das indústrias fósseis, da
produção até ao consumo final) ou que vão reestruturar-se na próxima década. A
transição energética vai, simultaneamente, suprimir e gerar postos de trabalho.
Uma verdadeira transição justa tem de pautar-se por princípios de equidade, de
justiça social e laboral.
Para tal, será necessário:
– Reduzir o horário de trabalho
para as 35h e introduzir a semana de trabalho de 4 dias, começando pela
indústrias intensivas de energia;
– Introduzir nos cadernos de
encargos dos leilões de produção de energia renovável a criação de novos postos
de trabalho para quem labora em centrais térmicas ou indústrias afins. Os
leilões que já foram aprovados devem começar um processo de implementação desse
processo;
– Nas localidades onde se
extingam postos de trabalho decorrentes da transição energética, desenvolver as
condições necessárias para criar novas empresas de energias renováveis e de
tecnologias para a transição energética e de transportes, tendo os
trabalhadores afectados prioridade na colocação;
– Modificar a legislação laboral
para conceder condições alargadas no subsídio de desemprego, facilitar o acesso
à reforma antecipada imputando todos os custos àsempresas empregadoras nos
trabalhadores dos sectores afectados;
– Criar planos de formação em
coordenação com os sindicatos, sem custos para os trabalhadores;
– Constituir um Fórum Permanente
entre o Estado e sindicatos dos sectores implicados para o acompanhamento do
impacto das medidas de transição energética.
As sociedades, os estados e as
pessoas terão de cooperar e empenhar-se neste processo histórico sem
precedentes, global e nacional, territorial e ambiental, económico e social. No
dia 27 de Setembro paramos para avançar. Paramos porque o nosso futuro, o de
todas as gerações hoje vivas, está a ser-nos roubado em frente aos nossos
olhos. Paramos porque somos as últimas gerações que podem resolver o problema
criado pelo sistema em que vivemos e, portanto, somos aquelas que têm o dever
de fazê-lo, de garantir a quem nasce hoje que terá, no mínimo, as mesmas
condições que nós tivemos de viver e de prosperar. Paramos porque não podemos
tolerar o agravamento da injustiça social climática que atinge sobretudo quem
mais obstáculos encontra em caso de desastres climáticos: as mulheres (trabalho
dos cuidados domésticos, familiar e de saúde, sobrecarga na acumulação com o
emprego), as pessoas deficientes, as pessoas mais pobres e sem acesso a
emprego e/ou salário dignos, habitação decente, alimentação e saúde, pessoas racializadas
e outras discriminadas e excluídas.
Paramos porque não é possível
continuar a fingir que será com pequenos remendos e “ambições” que avançamos,
mas sim com acções concretas e mudanças profundas, construídas socialmente para
responder a um problema sem paralelo. Paramos pela vida. Paramos pelas nossas
vidas. Paramos porque a máquina fóssil tem de parar e porque temos mesmo de
ganhar este combate. Paramos porque não há mais tempo a perder.
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