ECOS DO NOSSO MUNDO Aberrações por Artur Soares


ECOS DO NOSSO MUNDO
Aberrações por Artur Soares
Só com a doença de alzheimer , serei capaz de desmemoriar trinta meses vividos na guerra do Ultramar como militar miliciano. Fome não passei, mas estávamos proibidos da alimentação habitual. Havia rações de combate, bolachas que “substituíam” o pão, arroz com salsichas ao almoço e salsichas com arroz à noite. Qualquer alteração a esta ementa, era festa.
Mas o mal maior que qualquer militar em África sofria, era a falta de água. Se se estava aquartelado junto de qualquer rio com água corrente, ia-se resolvendo o problema. Acrescentava-se à água uns comprimidos indicados para se tornar mais ou menos bebível e, dessa forma retardava-se o paludismo, que era duro o livrarmo-nos dele. Terrível, terrível, era sair-se para patrulhar a zona militar: por vezes faltava a água. Procurava-se por isso uma zona com vestígios de humidade, cavava-se o terreno com a faca-de-mato e a água surgia: lenços-da-mão a boiar e bebia-se a água por cima do lenço para evitar maiores problemas.
Vai rareando a água em qualquer parte do mundo, como se sabe. Cada vez mais se anuncia o gravíssimo problema da água que a Humanidade precisa e, sabe-se que a água cada vez mais cara se torna, ao consumi-la. E se este assunto é vulgar, conhecido, também é incontestável. Por isso, urge obrigatoriamente uma pergunta: se a Humanidade ou os dirigentes políticos não têm dinheiro para extrair, procurar água em zonas áridas como em África e não só, como arranjam dinheiro para procurar água em Marte? Ora isto, é concretamente uma aberração que não se aceita. Mais: é legítimo por isso, perguntar se, perante tal realidade, se há inteligência ou juízo na Terra.
Aos problemas da água no mundo inteiro, podemos reflectir sobre os problemas da pobreza e da alimentação que os pobres têm. Concretamente em Portugal, sabe-se que tem havido milhões de euros para “salvar a vida bancária”, fruto, tantas vezes, de más gestões, de saques e de todo o género da rapacidade. Mas para acabar com a fome no país, não há dinheiro.
Crescem os bancos alimentares, com campanhas de alimentos para dar aos pobres e, colocam em tantas localidades, a Igreja católica a pagar luz, água, gás e alimentos à pobreza que se lhe dirige. Ora neste facto concreto, acontecem rigorosamente três falhas: uma, porque é um grande negócio para os híper mercados venderem a quem se solidariza com a campanha; outra, é saber-se que nem todos os pobres da zona do banco alimentar, têm acesso a um pacote de arroz - como é o caso de muitos pobres de Braga - porque muito desse arroz é distribuído, tantas vezes, por pobres que nem residem na zona da recolha, o que é desolador. Ora sendo verdade que há dinheiro para financiar a duvidosa banca, a terceira falha é verificar-se que o Estado se demite da pobreza e que desbarata, ou gere mal, os impostos pagos que o povo lhe confia, o que é uma outra aberração.
Toda a criatura do mundo, não vive sem alimentos e água: da agricultura no primeiro caso, e das nascentes de água ou das águas da chuva no outro. Os animais selvagens, sendo criaturas como criatura é o homem, sabem e preparam-se como se alimentar e beber. Os animais domésticos, pendentes do carinho ou do amor de quem os agasalha ou quer, têm necessidades várias e, alimentação e água, têm-na desde que lha proporcionem. Mas até entre os animais domésticos, melhor, entre gente que diz amar e agasalhar os animais domésticos, se veem aberrações. Pois um dia destes, no interior de um grande híper mercado desta Brácara Augusta, havia meninas bem apresentadas que distribuíam panfletos que, em letras grandes, convidava os clientes a contribuírem com produtos (“RECOLHA DE BENS”) para cães, como: “ração júnior para cão; ração adulta para cão; ração húmida para cão; produtos de limpeza e trelas, coleiras e tigelas”.
Desconhecem-se estas angariadoras de produtos para cães e a quem servem. O panfleto, entregue pessoalmente a quem entrava, não indica a instituição, não tem um nome, é rigorosamente um panfleto clandestino. Pergunto: como pactua um híper mercado com isto, a não ser o vislumbre de vender? Não há autoridades policiais que averigúem estas situações? Não há um controlo camarário que organize ou que tenha conhecimento destes casos, como conhecimento tinham de ter os Governos Civis?
Os governantes não têm dinheiro para água, mas procuram-na em Marte; os senhores do dinheiro não têm dinheiro para que haja menos pobres, mas tem dinheiro para “financiar a banca”; os bancos alimentares não reconhecem todos os pobres da zona onde angariam os produtos e, os angariadores clandestinos de produtos para cães, desconhecem a fome dos homens. Aberrações, injustiças e oportunismo, pois claro!
(Artur Soares – escritor d’Aldeia)
(O autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico).
(O presente texto foi publicado no jornal DIÁRIO DO MINHO de Braga, em 05/07/18)

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