Vida consagrada Liderança, proximidade e misericórdia por AQUILINO BOCOS MERINO,cmf* «Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia» (Salmo 106, 1

Vida consagrada
Liderança, proximidade e misericórdia por AQUILINO  BOCOS MERINO,cmf*
             «Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia» (Salmo 106, 1)

Este tempo do Jubileu da Misericórdia que estamos vivendo é uma boa ocasião para repensar a liderança a partir da mais autêntica proximidade. A Encíclica Dives in misericordia e a Bula jubilar Misericordiae vultus dão-nos um marco de entrada para viver o dom e a tarefa da misericórdia. Falámos de uma liderança compassiva do líder da comunidade, como a que Jesus pratica, e das suas ressonâncias na presença compassiva do líder da comunidade. Jesus revela no seu rosto e nas suas palavras, a misericórdia do Pai.
Hoje, a variante do clássico «governar amando» é «governar na misericórdia». A nova «arte de governar» funda-se no «princípio da misericórdia». Pensemos nas vibrações de paz e no sereno compromisso que  produz só o pronunciar a palavra misericórdia. Na tradição judaico-cristã, misericórdia foi-se tornando um sinónimo de ternura, carinho, compaixão, perdão, piedade, clemência, fidelidade, bondade e graça . A melhor síntese encontra-se no Salmo 50, o Miserere, onde se admira a misericórdia como fonte de alegria e esperança para o pecador arrependido. A misericórdia ajuda-nos a regressar a casa do Pai onde não só somos recebidos, mas acariciados como filhos pródigos.
Os líderes das nossas comunidades têm um espelho, onde olhar para si e confrontar atitudes, no Evangelho de Lucas, que, nos cânticos do Benedictus e Magnificat, realça como o Espírito Santo está sobre Jesus, porque o ungiu e enviou a evangelizar os pobres, a proclamar a liberdade aos cativos, a restituir a vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos e a proclamar o ano de graça do Senhor (Lc 4, 18-19; 7, 22). Jesus é amigo dos pobres e dos pecadores. Passou neste mundo a fazer o bem (Act 10, 38). Deixou-nos três parábolas sobre  misericórdia: a dracma perdida, a ovelha tresmalhada e o filho pródigo. Ao lado delas, está a parábola do bom samaritano, que explica quem é o próximo e o percurso de acompanhamento para a sua cura.
São Mateus narra o sermão da montanha, em que Jesus proclama «bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7). Termina a actividade docente de Jesus com o relato do juízo final, onde chama benditos os que deram de comer, de beber, hospedaram, vestiram, etc., «Em verdade vos digo: sempre que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mateus 25, 31-46).
A misericórdia, antes de mais, é gratuidade. É excesso de Deus. Tem um carácter de fundamento e de razão última. A iniciativa é do Pai, que olha comovido para nós com olhos de misericórdia, como uma mãe ama. A misericórdia abre-nos à realidade e exige uma resposta à altura de tão grande amor. Jesus pede-nos para sermos misericordiosos como o Pai é misericordioso (Lc 6,36).
O caminho de ida e volta da misericórdia chama-se  proximidade e, do mesmo modo, interesse e desfazer-se pelos nossos irmãos que sofrem feridas de variadíssima espécie. Por exemplo, escravidão,  falta de identidade congregacional, sujeições, crise da idade, solidão, doença, exclusões, pecado, carências na vida teologal, anemia espiritual, infidelidades no campo da pobreza, da castidade e da obediência; apreço e reconhecimento… Há também feridas comunitárias pela rotina, o cansaço, a insensibilidade perante as interpelações ou desafios pastorais, as relações cortadas, a falta de comunicação, as desconfianças e as suspeitas… Tantas feridas nossas e de quem se encontra nas periferias e espera por nós! Muitas das nossas comunidades pedem que se olhe para elas com olhos de misericórdia. Não deixam de sonhar e querem aventurar-se. Muitas vezes falta-lhes a moção do espírito para saírem e empenharem-se em novos compromissos.
Como temos vindo a dizer, no governo devem andar unidos a presença, o uso do tempo e a cordialidade. São disposições que qualificam o serviço às pessoas e comunidades. Cordialidade é a expressão de ternura, que implica empatia, pôr-se no lugar do outro, falar de coração a coração, acolhimento cordial, prontidão no perdoar, preocupação e solicitude pelo outro. A cordialidade é o melhor invólucro da misericórdia. Faz-nos estar presentes com todo o coração e empenha-nos na revolução da ternura. A ternura é o sonho de Deus com a humanidade.

Liderar na base da misericórdia é estar a passar para a outra margem, deter-se e assumir as angústias dos excluídos. É abrir-se à realidade que sofre. FONTE: Liderança e proximidade, AQUILINO BOCOS MERINO, CMF, in VIDA consagrada, Maio 2016 pp.174-176.

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