ALPENDORADA/pedreiros "O pedreiro não chega à idade da reforma. A maior parte deles morre antes"
ALPENDORAD/pedreiros
"O pedreiro não chega à idade
da reforma. A maior parte deles morre antes"
06 DE FEVEREIRO DE
2019 - 19:13 na TSF
Na
véspera do Parlamento discutir o desgaste rápido da profissão, a TSF foi a
Alpendorada, Marco de Canaveses, perceber como é o trabalho nas pedreiras.
Nos 15 minutos da pausa da tarde,
José Manuel aproveita para se sentar a comer um pão com panado e alface. Apesar
de ser fevereiro, veste uma camisola de manga curta, de onde saltam uns bíceps
de quem trabalha a pedra há muito tempo. "Já tenho 38 anos de pedras, já
estou cansado, tenho silicose nos pulmões e obstrução pulmonar. É muita
poeira."
Tem 52 anos e diz-se pronto para a
reforma. José Manuel agora trabalha na transformação da pedra, mas já esteve
muitos anos na extração. O patrão, Rui Peixoto, entende este cansaço. Também
ele já foi pedreiro.
"Na extração era por
fases", conta José Manuel, "enquanto se fura é duro, enquanto se
carrega a pólvora ou a dinamite é mais perigoso, mas não é tão duro". Mas
poeira é em todo o lado, "poeira, poeira, poeira, ai meu deus."
Reportagem
de Barbara Baldaia e Joaquim Dias
O pó fino e constante do granito
desta zona de Marco de Canaveses instala-se por todo o lado, procura todos os
cantos, viaja até aos pulmões. Joaquim Araújo, 55 anos, queixa-se do mesmo que
José Manuel. Este é um trabalho "duro e doentio", diz ele. "É o
pó, esse é o grande problema, neste momento estou a ser tratado, tenho silicose
e [zumbido] nos ouvidos". Remate com resignação: "Vamos ver,
possivelmente vou ser proibido de trabalhar nas pedreiras."
Alpendorada é uma freguesia do Marco
de Canaveses encravada entre o rio Douro e o Tâmega. Aqui, a principal
atividade é a extração e o tratamento do granito. Alexandra Rabaçal,
coordenadora da Unidade de Saúde Familiar, atesta as queixas dos trabalhadores:
"Trabalho há 16 anos em Alpendorada e sou médica de família. Estamos a
falar de pessoas com quem lido diretamente e vejo a degradação progressiva da capacidade
de trabalho, de se deslocarem, da qualidade de vida por causa das alterações
respiratórias e osteoarticulares que esta profissão implica, porque é muito
pesada".
A médica explica que os diagnósticos
mais comuns são "o desgaste das próprias articulações e a deposição de
pequenas partículas das pedras no pulmão, que vai fazer com que, ao logo da
vida, estes trabalhadores tenham cada vez menos capacidade de respirar. É a
silicose, é assim que se chama".
"Não é por acaso que
Alpendorada é a zona - não do país, mas da Europa - com maior incidência de
tuberculose. O facto de haver estes depósitos de sílica no pulmão faz com que
seja um ambiente fantástico para a proliferação da tuberculose. E começa a ser
um problema não só dos trabalhadores como também dos conviventes. Temos casos
de crianças novinhas que apanharam tuberculose por causa dos pais",
acrescenta Alexandra Rabaçal.
Este é um trabalho feito
essencialmente por homens, mas, muitas vezes, as doenças contraídas à custa da
pedra chegam ao resto da família. A coordenadora da USF, que é também vereadora
sem pelouro na Câmara do Marco de Canaveses, é absolutamente favorável à
mudança da lei para a reforma antecipada dos pedreiros. "É uma questão
social".
Trabalhar desde o tempo em que não havia botas nem
óculos
Voltemos aos Granitos Irmãos
Peixoto. Aqui fazem-se paralelos, lajeados, cornijas, pilares, soleiras, chãos,
um bocado de tudo. É um ofício de várias valências, explica Rui Peixoto. De
"pedreiro-marteleiro, o trabalho mais duro, porque de inverno e de verão
andam sempre ao tempo, frio e chuva, calor e pó". De "serradores de
pedra, cortadores de cubos, acabadores de cantarias, maquinistas,
mecânicos".
José Manuel não tem saudades de
trabalhar na extração. "Estar na extração de pedra é matar-me. Tenho medo
daquilo. E depois andar de fato oleado e galochas, é matar-me".
Tem 40 anos de trabalho, mas só 38
de descontos, porque começou a trabalhar com 12 anos, andou dois anos ilegal,
sem descontar. Era assim naquela altura. José Manuel era uma criança quando
entrou pela primeira vez nas pedreiras para trabalhar. "Não havia
máscaras, óculos, walkie-talkies [proteções para os ouvidos], não havia nada.
Comprávamos tudo à nossa conta. Nem umas botas de proteção nem umas luvas, era
tudo à miserável".
As condições de trabalho entretanto
melhoraram, mas, no que toca a remunerações, atalha Joaquim Araújo, essas estão
sempre a descer: "Começou a andar para trás. Há 30 anos ganhava 400
contos. Agora nem metade. Há falta de gente. As pessoas estão a retirar-se
porque ganham muito pouco e saem desta profissão. Isto é um sofrimento".
"O pedreiro não chega à idade
da reforma, a maior parte deles morre antes. A reforma devia ser no máximo aos
50 anos", defende Joaquim, que se ri com uns olhos muito claros, quase transparentes,
com os cotovelos apoiados num enorme bloco de granito, enquanto sonha com uma
vida melhor. Da dureza das pedras, gostava de passar à delicadeza das alfaces.
"Gosto dos campos. Se tivesse
mais um bocadinho de posses, cultivava uma estufazinha de saladas. Há muitas
coisas que dá para ganhar dinheiro". Porque parar é morrer, diz Joaquim. E
ele, apesar de cansado, já só quer uma vida mais leve.
A Assembleia da República discute
esta quinta-feira uma petição que pretende que a profissão de pedreiro passe a
ser considerada de desgaste rápido, solicitando também a definição de reformas
justas para esses trabalhadores. Seguir-se-á o debate de três projetos de lei,
do Bloco de Esquerda, do PCP e dos Verdes sobre o tema, todos com o propósito
de consagrar um regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice
aos pedreiros.
Em parte, são propostas que já
colheram em sede de Orçamento do Estado deste ano, já que na discussão na
especialidade, a Assembleia aprovou propostas que permitem aos trabalhadores
das pedreiras o acesso ao regime de reformas antecipadas, equiparando-as aos
trabalhadores das minas. Na prática, ficou estabelecido que, por cada dois anos
de trabalho, os pedreiros passam a ter uma redução de um ano na idade legal da
reforma, com um limite de 50 anos de idade. REPORTAGEM TSF
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