Caminhar juntos: vivendo sob a síndrome do medo Por P. Armando Soares
Caminhar juntos: vivendo sob a síndrome
do medo
24 Março, 2019 (JM-94)
Guernica, Pablo Picasso |
São marcos angustiantes: o 11 de Setembro 2001 em New York, o 11 de Março e 11 J em Madrid e em Londres, e a proliferação infernal de ataques terroristas a partir da guerra do Iraque. Multiplicam-se por todo o mundo descalabros terríveis na política, na sociedade, na economia no pandemónio das guerras, em particular no Médio Oriente, Centro de África, Afeganistão, Venezuela, … uma guerra mundial “aos pedaços”– espalhada pelo planeta, mas globalizada – com perseguições étnicas e religiosas, com genocídios, para não falar do Bin Laden e das ‘atrocidades do Estado Islâmico… E não podemos esquecer as “matanças” dos terroristas que surgem em todo o mundo, sobretudo nas grandes cidades e em lugares onde há gente, como hotéis, supermercados, escolas, discotecas,…Um pandemónio.
2.E ainda as terríveis catástrofes naturais em tsunamis,
tornados, terramotos, ciclones devastadores, como o da Beira (Moçambique),
Malawi, Zimbábue,…. O crime organizado e o narcotráfico converteram-se numa
epidemia mortífera pior que qualquer crise económica, com 100 mil mortos por
ano; “a insegurança é uma praga que mata mais gente que qualquer outra epidemia
conhecida e destroça mais lares que qualquer crise económica”, segundo dados da
OEA (Organização de Estados Americanos). Um cidadão nunca se sente seguro na
rua ou em casa, de dia ou de noite. Para andar na estrada não serve um carro
qualquer mas é preciso ter um carro seguro, “uma arma” a valer para poder
enfrentar condução perigosa dos outros motoristas e o perigo da gente sem rosto
– os encapuzados. A recessão económica mundial tornou-se uma enorme dor de
cabeça para todos os Governos. Abunda por todo o lado a “corrupção” que envolve
milhões. E os mais ricos são cada vez menos e os mais pobres são cada vez mais.
São os ‘novos escravos’. O mundo parece doido. E a Natureza parece estar-se
vingando das atropelias movidas pelo homem. As
próprias medidas de segurança acabam por despertar novos medos.
3.E cito Teófilo Cabestrero, no seu livro entre el
sufrimiento y la alegria: “As novas gerações, segundo dados psicossociais,
perdem a capacidade para sofrer e viver com dignidade. E as causas estão nas
gerações de adultos que impuseram um sistema de vida egoísta, cómodo e
consumista, apoiado e mantido por interesses económicos, ideológicos e
políticos, e pela inconsciência de tanta gente ‘consumista’ – vítimas
complacentes.” E o pior é que “em todos os países sobem os índices de violência
familiar e social, assim como o stress, as depressões e os suicídios”. (idem) Nem
os idosos podem dormir sossegados pois são molestados, torturados por ladrões a
fim de lhes extorquirem suas pequenas reservas, necessárias para viver ou para
os medicamentos no caso de surgir uma doença.
4.Com razão diz o teólogo alemão Jurgen Moltman, que “um dos
sonhos da sociedade moderna é ser felizes sem dor e iludir todo o sofrimento.
Mas como isso é inalcançável, procura-se acalmar as dores, evitam-se os
sofrimentos e afasta-se a paixão de viver com responsabilidade. Mas a vida sem
esta paixão e sem disposição para o sofrimento torna-se irresponsável,
superficial e sem sentido”. (citado por T.C, idem.)
O conhecido psiquiatra espanhol Enrique Rojas escreveu que “há
uma grande falta de maturidade nas pessoas e que esta é a causa principal da
atual crise familiar e social: “Estamos numa sociedade infantil, adolescente,
com modelos ridículos e uma imaturidade afetiva ou sentimental muito extensa,
julgando que a felicidade está no bem estar e no prazer. Vejo as pessoas muito
débeis, muito vulneráveis, muito pouco maduras”. Ele mesmo escreveu em 1992 um
livro intitulado “El hombre light: una vida sin valores, que em quatro
anos teve onze edições. Fala do Ocidente como uma sociedade doente na qual “o
homem light, é um sujeito que leva como bandeira uma tetralogia
nihilista: hedonismo-consumismo-permissividade-relatividade. Estamos
perante um homem sem substância, entregue ao dinheiro, ao poder, ao êxito e ao
gozo ilimitado e sem restrições. O homem light não tem referências, tem um
grande vazio moral e não é feliz ainda que tenha materialmente quase tudo. Isto
é grave.”
5.Bento XVI disse: “apesar de tantas formas de progresso, o ser
humano é o mesmo de sempre: uma liberdade tensa entre o bem e o mal, entre a
vida e a morte”. Alguns
antropólogos afirmam que na nossa era tão adiantada científica e
tecnologicamente, os humanos nos deixamos levar pelos instintos mais primitivos
e ferozes de nossos primeiros antepassados, sem que tenhamos agora as razões
com que eles se justificavam. E a neurologista italiana Rita Levi-Montalcini,
Prémio Nobel de Medicina, afirma: “vivemos dominados por impulsos de baixo
nível, como há cinquenta mil anos.” E Cabestrero termina este capítulo do seu
livro dizendo: “E um dos impulsos de baixo nível é, precisamente, o excesso de
medos que gera uma grande variedade de fobias patológicas. Vivemos sob a
síndrome do medo.”
Serão os seres humanos hodiernos capazes de superar este medo e
‘refazer’ a família humana, “cuidar da casa comum’, ‘ser irmãos’, ‘criar
família’? – respondendo ao apelo frequente, insistente – do Papa Francisco? Eis a grande questão na qual
todos devemos estar empenhados.
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