APAV/negligência.
Crianças afetadas por
homicídios estão sem o devido apoio
15 DE MARÇO DE
2019 - 11:32
Segundo o responsável da divisão da
APAV para o apoio a familiares e amigos de vítimas de homicídios, uma grande
parte das crianças afetadas por homicídios não recebem os apoios devidos
TSF / Lusa
A maior parte das crianças afetadas por homicídios não recebem apoio específico depois do crime, denunciou a APAV, que apoia por ano entre 10 a 14 crianças órfãs, considerando que estes menores estão a ser negligenciados.
Em entrevista à agência Lusa, o responsável
pela Rede de Apoio a Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídios (RAFAVH), da
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), admitiu que "há claramente
muitas crianças e jovens que são vítimas diretas das situações de homicídio que
não recebem apoio especializado para estas situações".
Bruno Brito adiantou que a APAV
apoia "mais ou menos entre um terço a um quarto" dos cerca de cem
homicídios que, em média, acontecem todos os anos em Portugal, sendo que em
cada um dos casos é ajudada mais do que uma pessoa afetada, desde logo porque
pode haver cônjuge, filhos ou pais da vítima.
"Nós devemos andar, mais ou
menos, na média das 70 pessoas que são apoiadas por ano, com vários
atendimentos", referiu o responsável da RAFAVH acrescentando que entre
elas estão também crianças que ficaram órfãs em contexto de violência
doméstica, em casos em que um dos progenitores foi morto e o outro ou se
suicidou ou foi preso.
Segundo Bruno Brito, os menores
acompanhados pela APAV representarão cerca de 20% do total de pessoas apoiadas,
o que poderá ser qualquer coisa entre as 10 e as 14 crianças órfãs na sequência
de um homicídio.
Bruno Brito revelou que todas estas
pessoas chegam à APAV sobretudo graças ao sistema de referenciação, que inclui,
por exemplo, a Polícia Judiciária, mas também o Instituto Nacional de
Emergência Médica (INEM) ou o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências
Forenses, bem como todas as instituições que são a primeira linha de ação
nestas situações de crime, seja como primeiro apoio, seja pela investigação.
Na sua opinião, "haverá com
certeza crianças que não têm este apoio", desde logo porque este depende
da recetividade das famílias, ao contrário do que acontece em países como o
Reino Unido, por exemplo, em que o sistema de referenciação de vítimas é
automático e abrange todas as pessoas que sofrem um qualquer crime.
Além do apoio da APAV, as crianças
órfãs podem pedir à Comissão de Proteção às Vítimas de Crime (CPVC) um
adiantamento de indemnização, previsto para as vítimas de crimes violentos e de
violência doméstica.
Dados da CPVC, divulgados à Lusa,
mostram que no ano passado houve nove "filhos de vítimas de homicídio em
situação de violência doméstica" que obtiveram este apoio, metade dos que
o tiveram em 2017.
No total dos oito anos de
atividade, entre 2011 e 2018, a CPVC apoiou financeiramente 163 crianças órfãs,
104 com idade até aos 14 anos, e 59 com idade entre os 15 e os 17 anos.
Por outro lado, segundo o Instituto
de Segurança Social, em 2017, havia 590 crianças e jovens à guarda do Estado
por violência doméstica, 23 a viver em casas-abrigo.
Bruno Brito admitiu que "as
necessidades destas crianças estão a ser negligenciadas", desde logo
porque "o sistema só atua quando há problemas", como quando a criança
se torna, por exemplo, um jovem delinquente, tem comportamentos de maior
agressividade, atrasos na aprendizagem ou é alvo de 'bullying' na escola.
"O sistema está a agir
reativamente e não preventivamente, o que acaba por ter aqui um fator de
negligência, porque o sistema conhece as fragilidades e vulnerabilidades que
são criadas numa situação de criminalidade", criticou.
Para Bruno Brito, o serviço de
apoio à vítima deveria ser sempre apresentado e avaliado em todas as situações
em que o crime acontece e lembrou que as crianças não lidam com a morte nem
fazem o luto da mesma forma que os adultos, havendo, muitas vezes, uma
incompreensão em relação ao que se está a passar que pode conduzir a situações
de isolamento.
O responsável pela Rede de Apoio a
Familiares e Amigos de Vítimas de Homicídios explicou que é preciso "olhar
atentamente" para perceber que a criança também está a fazer o seu
processo de luto, já que os mais novos procuram "fazer com que a sua vida
se mantenha o mais normal possível" e não dão sinais tão evidentes de tristeza,
procurando vínculos de afeto.
Bruno Brito alertou ainda para as
consequências da falta de apoio, desde logo pelo risco de a criança replicar os
comportamentos agressivos, e defendeu a sinalização e o acompanhamento para
todas as vítimas.
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