MOÇAMBIQUE/CICLONE IDAI Sem água, sem teto e à espera do pior. O amanhecer na Beira revela um dia ainda mais escuro

MOÇAMBIQUE/CICLONE IDAI
Sem água, sem teto e à espera do pior. O amanhecer na Beira revela um dia ainda mais escuro
21 DE MARÇO DE 2019 - 08:44 TSF
O nascer do dia revela um cenário de "total devastação" na cidade da Beira, em Moçambique, onde a passagem do ciclone Idaí já fez pelo menos 217 mortos, de acordo com os dados do Governo de Moçambique

Por Dora Pires e Rita Carvalho Pereira

A repórter da TSF Dora Pires, que chegou ao local na última noite, revela que a perspetiva, pela manhã, é "bastante pior" daquela que a luz da lua deixara adivinhar durante a noite , perante uma cidade às escuras, sem eletricidade.
"O cenário é de total devastação. Há muitas árvores [caídas] a ocupar parte da estrada, continua a haver postes de eletricidade completamente caídos ou perigosamente inclinados, há muros de cimento e de tijolo que foram completamente arrancados e os edifícios de betão estão sem vidros", descreve a repórter da TSF.
Junto ao aeroporto da Beira, é possível ver os efeitos da passagem do ciclone pelo bairro da Manga, onde vivem milhares de pessoas, e que foi um dos mais devastados na cidade.
"Muitas das habitações nesta zona são precárias, os telhados são, regra geral, feitas com folha de vigo, e, naturalmente, com ventos ciclónicos na ordem dos 200 km/hora, praticamente ninguém tem teto neste bairro, onde vivem muitos milhares de pessoas", conta a repórter. "É quase impossível encontrar uma casa digna desse nome."
A destruição afetou também o comércio. A enviada da TSF relata que o maior supermercado da Beira tem agora "um ar estranho", uma vez que "a montra ainda exibe manequins, mas [o edifício] foi totalmente destelhado e parte das paredes desapareceram. Logo a seguir, foi pilhado. Nesta altura só tem os manequins".
"O mesmo aconteceu com alguns armazéns de bens de primeira necessidade, nomeadamente farinha. Quando os telhados destes edifícios voaram, logo a seguir, todas as pessoas que puderam vieram e levaram o que podiam levar", indica a repórter da TSF. "Aí nem sequer houve intervenção da polícia, porque se percebeu que as pessoas estão, de facto, numa situação muito difícil", acrescenta.
Apesar de tudo, o mercado da cidade está a funcionar. "As pessoas estão a vender um pouco de farinha, manga e banana. Pouco mais do que isso há para vender", diz a enviada da TSF a Moçambique.
Em grande escassez está, também, a água potável. A polícia municipal adianta que grande parte das estações de água que fazem a distribuição para a cidade ficaram inundadas, e a reparação não será fácil.
"Há muita gente com garrafões de plástico que vai fazendo o percurso a pé das casas até aos sítios onde há alguém que tenha furos ou fossos, que garanta alguma água potável, que é coisa que continua a não haver em toda a cidade da Beira, e não se sabe quando será restabelecida", revela a repórter.
Esse será mesmo o único ponto em que a chuva, que regressou esta manhã, poderá ser útil. "É mau para todas as operações em curso e para o restabelecimento da normalidade, mas tem a vantagem de as pessoas poderem pôr na rua recipientes e aproveitar alguma água que lhes garanta mais algum tempo de sobrevivência sem grande risco de doenças, que começam a ser a grande ameaça em toda esta zona", explica.
O "oásis" da Beira, onde existe eletricidade, continua a ser o aeroporto, a partir de onde está a ser gerida "a nova vida da província e da cidade".
"É daqui que estão a ser coordenadas as principais ações de resgate de pessoas que estão em zonas submersas", refere a enviada da TSF. De acordo com o Governo de Moçambique, até ao momento foram resgatadas 3 mil pessoas, mas há ainda cerca de outras 15 mil por resgatar.
Para coordenar as operações, foi criado um centro logístico de última hora. "Foram usados contraplacados de madeira para forrar as paredes do aeroporto por onde entrou água, depois de os vidros se partirem. Está toda a gente à volta de mesas de plástico, tudo completamente improvisado", conta a repórter.
"Estão aqui perto de duas centenas de pessoas, desde jornalistas, militares, várias organizações não-governamentais, as Nações Unidas e uma fundação sul-africana que tem estado a liderar os regastes - tem um helicóptero e está a sobrevoar a zona ainda submersa e a tentar retirar as pessoas para locais mais seguros", relata. "Há imensa azáfama, mas, ainda assim, ínfima para a dimensão das dificuldades que esta região está a atravessar."
Sobre os cerca de trinta portugueses em Moçambique cujo paradeiro se desconhece, ainda não há mais novidades, mas o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, diz ser normal que as pessoas estejam incontactáveis, uma vez que quase toda a província está sem comunicações e é difícil fazer ligações telefónicas.
Apesar de tudo, a enviada da TSF adianta que a contestação à atuação dos representantes portugueses começa a fazer-se sentir. "Há críticas à forma como os representantes das autoridades portuguesas terão reagido face ao brutal impacto que a passagem deste ciclone teve na vida da comunidade portuguesa aqui na Beira."


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