ESCRAVATURA/afro-americanos A dívida da escravidão
ESCRAVATURA/afro-mericanos
A dívida da escravidão
EL PAÍS Brasil
Os
Estados Unidos devem pagar reparações aos afro-americanos descendentes de
escravos? O debate sobre o pecado fundacional americano revive
Hoje - 23 maio 2019 - está aposentado, tem 89
anos, mas em cada legislatura durante quase três décadas, o congressista de
Michigan John Conyers propunha um projeto de lei para que os Estados Unidos reconhecessem
“a crueldade, a brutalidade e a falta de humanidade” da escravidão, assim como
“a resultante discriminação econômica e racial dos
afro-americanos e o impacto em seus descendentes”. A proposta sequer chegou a
ser debatida.
Esculturas sobre a escravidão no Legacy Museum
do Alabama. BOB MILLER GETTY IMAGES |
A ideia de realizar "reparações pela escravidão" esteve mais ou menos presente na sociedade norte-americana desde a Guerra Civil. Já em janeiro de 1865, meses antes do final da contenda, o general William Tecumseh Sherman ditou a famosa ordem de campanha conhecida como a lei “dos quarenta acres e uma mula”, em referência ao que prometia aos negros recém-libertos (o diretor de cinema Spike Lee batizou sua produtora em 40 Acres & Mule como homenagem). Desde então, as iniciativas de reparação se sucederam. Durante certas épocas hibernam, mas, sendo a escravidão o grande pecado fundacional dos Estados Unidos, o debate está aí e sempre volta a aparecer.
Agora, em 2019, enquanto cresce o número de democratas que se postulam a tirar o poder de Donald Trump em 2020, foram vários os candidatos que voltaram a mencionar o assunto. Da senadora californiana Kamala Harris à veterana Elizabeth Warren, passando pelo antigo prefeito de San Antonio, Julián Castro, todos – na atual campanha para obter a indicação do Partido Democratanas eleições presidenciais do próximo ano – manifestaram seu apoio a alguma forma de reparação que alivie a indelével mancha americana. Em sua opinião, a escravidão não só causou danos e sofrimento aos escravos, como instaurou todo um sistema de corrupção que infectou, como uma gangrena, a sociedade inteira. É, defendem, uma dívida coletiva que sem dúvida deve ser paga
Entre 1930 e 1960, ocorreram
em Chicago linchamentos de negros e incêndios para manter vizinhanças livres da
presença dessa raça. Os mais de seis milhões de descendentes de escravos que
protagonizaram a Grande Migração ao Norte fugindo da segregação e da violência
do Sul encontraram na Filadélfia, Washington e Chicago leis que os impediam de
alugar casas em igualdade de condições em relação aos seus compatriotas
brancos, de modo que muitas vezes acabavam nas ruas, despejados, ao não
conseguir pagar empréstimos abusivos, e fechados em guetos. É o que o autor
Douglas Blackmon definiu como “escravidão com outro nome”. No livro que possui
esse mesmo título (Slavery by Another Name,
no original em inglês), o escritor coloca como, enquanto a Alemanha paga há 60
anos indenizações a vítimas do Holocausto, ‘Quando se menciona o assunto das
reparações, são muitos os obstáculos encontrados para avançar em uma direção
proveitosa. Quanto seria pago? (Os especialistas colocam o valor em trilhões).
Para quem seria pago? (David Brooks, colunista do jornal The New York Times,
se pergunta em relação a isso: Os milionários Oprah Winfrey e
Lebron James seriam indenizados?). Mas por fim, o principal argumento dos que
se opõem às reparações é que são violações ocorridas em um passado muito
remoto, sobre as quais não existe um senso de responsabilidade coletiva.
Os democratas Elizabeth
Warren, Kamala Harris, Julián Castro e Beto O’Rourke consideram que chegou o
momento de começar uma conversa profunda em escala nacional. “Precisamos
estudar os efeitos que tiveram décadas e décadas de discriminação e racismo
institucional sobre muitas gerações, e determinar quais são as
consequências e o que se pode fazer para intervir e corrigir o que aconteceu”,
diz Harris. Na opinião de Beto, os Estados Unidos “nunca irão curar sua ferida”
a menos que resolvam o pecado original da escravidão.
Os que se opõem às reparações afirmam que são violações ocorridas em um passado muito remoto
Há, entretanto, uma voz dissonante nas fileiras democratas. Bernie Sanders, senador de Vermont e um dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas em relação à indicação de seu partido, não apoia as reparações porque considera que é praticamente impossível transformá-las em algo concreto. “Existem maneiras melhores de lidar com as crises do que entregar um cheque”, diz. Prefere apostar em políticas sociais, como a criação de emprego e dar facilidades para estudar. Barack Obama também se opôs às compensações em sua campanha à presidência porque poderiam se transformar, disse, em uma desculpa para dizer que a “dívida” com os negros está paga em vez de acabar com as discriminações atuais. Hillary Clinton também prefere falar de investimentos em vez de reparações.
Desde 1865 ocorreram outras tentativas para conquistá-las, especialmente as lutas pelos direitos civis que desembocaram na extraordinária legislação do presidente Johnson. Mas sempre toparam com as mesmas dificuldades: como determinar as responsabilidades e os eventuais beneficiários. Hoje não é diferente. Quem paga o que a quem pela grande dívida de 250 anos de escravidão.
Os que se opõem às reparações afirmam que são violações ocorridas em um passado muito remoto
Há, entretanto, uma voz dissonante nas fileiras democratas. Bernie Sanders, senador de Vermont e um dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas em relação à indicação de seu partido, não apoia as reparações porque considera que é praticamente impossível transformá-las em algo concreto. “Existem maneiras melhores de lidar com as crises do que entregar um cheque”, diz. Prefere apostar em políticas sociais, como a criação de emprego e dar facilidades para estudar. Barack Obama também se opôs às compensações em sua campanha à presidência porque poderiam se transformar, disse, em uma desculpa para dizer que a “dívida” com os negros está paga em vez de acabar com as discriminações atuais. Hillary Clinton também prefere falar de investimentos em vez de reparações.
Desde 1865 ocorreram outras tentativas para conquistá-las, especialmente as lutas pelos direitos civis que desembocaram na extraordinária legislação do presidente Johnson. Mas sempre toparam com as mesmas dificuldades: como determinar as responsabilidades e os eventuais beneficiários. Hoje não é diferente. Quem paga o que a quem pela grande dívida de 250 anos de escravidão.
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